Demoramos a conjugar o estado de espírito necessário para a leitura de “A Zona de Interesse” (Quetzal, 2015), livro de Martin Amis, talvez porque as narrativas se tornam tão reais ou apenas porque vamos sendo subjugados perante tamanha indiferença pela vida humana e pela visão pessoal de cada um dos narradores: um oficial e um comandante do campo de concentração, em oposição ao judeu Szmul.
Apesar da acção decorrer no pior e mais prolífero cenário de horror nazi (Auschwitz), é o amor em torno duma mulher (esposa do comandante Paul Doll) que nos conduz desde início, em jogos de sedução que parecem absurdos quando qualquer um de nós, leitores, sabe de plena consciência e antemão que o maior jogo que se jogou naquele lugar foi um dos maiores e mais cruéis esquecimentos do respeito pela vida humana.
A história está dividida em 6 capítulos de três partes e, cada uma delas, chega-nos através das distintas “vozes” de Angelus Thomsen, o oficial enamorado pela esposa do comandante (Hannah Doll), do próprio comandante Paul Doll e do judeu soturno Szmul Zacharias. Paul desconfia da relação entre a sua mulher e o oficial Thomsen e, através de Szmul – um servidor de longa data do Sonderkommando -, procura confirmar os seus receios mandando-o segui-la e, mais tarde, encarregando-o da sua morte. Mas nada acontece de forma altruisticamente simples, um pouco como a história que nos precede enquanto homens, capazes das maiores atrocidades ou das mais belas obras artísticas.
A distância dos factos não nos deve levar ao esquecimento dos mesmos e Amis regressa, neste livro, a um lugar tortuoso, mas que certamente o apaixona, uma fatia imponente daquilo que somos actualmente enquanto europeus mas que tende a ser apenas história – e a ser vista como tal.
Difícil é ficar indiferente perante a sublime tragédia maior e todas as experiências “menores” que ali foram vivenciadas. Quem ler «A Zona de Interesse» vai experimentar uma porção ínfima, uma centelha de realidade “oferecida” pela ficção satírica do autor.
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