O futuro, afinal, é risonho. Não está iminente uma distopia árida, de ruínas e cancro de pele, lutas com paus e pedras ou resquícios tecnológicos do mundo próspero de outrora. O futuro, segundo Jeremy Rifkin, assemelha-se mais às maquetes polidas de arquitectos que projectam prédios vindouros de arestas limpas, aproveitando a luz do sol; opulentes mas ainda assim imersos em áreas verdes onde se pode colher o cocó dos cães como pessoas civilizadas.
Desenganem-se aqueles que pensam que há excluídos neste futuro. Não interpretemos mal a capa de “A Terceira Revolução Industrial” (Bertrand Editora, 2014), onde um mapa terrestre ligado por luz (que simboliza a conectividade presente e futura) deixa o hemisfério sul praticamente às escuras. Jeremy Rifkin chega a contar-nos a história encorajadora de uma pessoa no continente africano que consegue carregar o telemóvel em casa graças ao painel solar que colocou na cabana.
São cinco os pontos sumários da revolução, ou “pilares”, que ocupam uma ínfima porção do livro, ao jeito do conceito tudo o que você precisa saber sobre a Terceira Revolução Industrial em menos de 5 minutos. São eles: mudança para as energias renováveis; transformação de edifícios em geradores de energias renováveis (todos, em todo o mundo); explorar o hidrogénio e demais técnicas de armazenamento nos edifícios; o uso da internet para criar inter-redes de partilha de energia; transição para veículos eléctricos e a células de combustível. Pontos válidos, importantes e viáveis para retirar a colmeia humana e o seu ecossistema da era nociva do carbono, fruto das anteriores revoluções industriais – e do capitalismo. O outro lado destes ambiciosos pilares, deste apelo e movimento ecológico é o culto de personalidade à volta de Rifkin, ajudado pelo seu entourage de estagiários e gabinete (lucrativo) de consultoria.
Esta vontade (talvez pouco) discreta de ter o nome nos anais da história por ser o percursor de uma mudança a nível planetário, é sustentada por publicações e artigos regulares com grande número de leitores. Não será estranho que seja visto, nos EUA como um papão socialista, afectando os humores dos seus conterrâneos. O bate-bocas que alimenta n’ A Terceira Revolução Industrial, sobre como na Europa é que há visionários, e como Durão Barroso e Angela Merkel lhe deram ouvidos e Bush, o Tea Party e até Obama não, é motivo de muita tinta corrida e tráfego de internet congestionado. Daí que o livro se ocupe com mais do que energias renováveis, debruçando-se ingenuamente sobre o sistema de educação, bem como tudo aquilo que muitos já sabem sobre a nociva indústria pecuária (não fica claro se a mensagem subliminar desse segmento é a conversão da humanidade ao veganismo, mas se for o caso, ao menos que Rifkin fosse mais directo naquilo que propõe), passando pela morte do capitalismo graças à mentalidade de partilha virtual e do open source e ainda, num plano mais rebuscado, a morte da ideologia e o fim dos empregos remunerados. Quem desacreditá-lo, mesmo que não seja apologista da era do carbono, arrisca-se a passar por um ignorante de direita (ou de esquerda, porque não?), ou está a contribuir para a extinção da espécie. Felizmente, a Terceira Revolução Industrial já está a acontecer e ninguém quer ficar para trás. É tudo concreto e inevitável, certo?
Por enquanto, o discurso de Rifkin é uma tecno-utopia. O capitalismo, além de gerar desigualdade, gera um conforto entre aqueles que estão bem posicionados segundo o espírito competitivo do darwinismo social, ao ponto desse conforto não permitir que haja mudança abrupta, muito menos roturas paradigmáticas. A tendência continua a ser para um consumo voraz de recursos, à medida que os índices mínimos de igualdade sobem e a população aumenta, sem perspectivas imediatas de colonizar Marte.
Em 2013, Charles C. Mann escrevia um artigo exaustivo para o The Atlantic: “What if we never run out of oil?” – fica aqui como sugestão a leitura do mesmo. A vontade de mudança pode ser pouca para as autocracias do petróleo, detentoras da força motriz que nos dá tudo aquilo que temos vindo a considerar imprescindível. Mas a mudança está a encaminhar-nos para exploração de gás-natural que, no jogo geopolítico americano, é duplamente um retorno à hegemonia energética, bem como uma forma de satisfazer os objectivos de redução das emissões de carbono, mesmo que a situação planetária nunca fique remediada. A transição plena para as energias renováveis pode nunca chegar a acontecer. Por enquanto, o tipo de optimismo de Rifkin mais serve para vender livros e gerar cliques em palestras TED. Esta é a verdade inconveniente.
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