«Eu não sou o fim do caminho: sou o caminho», avisa desde logo a narradora de “A mulher má” (Topseller, 2014), conhecida por muitos como Velha Senhora ou Grande Ceifeira. A partir da história verídica de Enriqueta Martí (1868-1913), uma assassina, raptora e traficante de crianças que espalhou o terror por terras espanholas, Marc Pastor assina uma radiografia do mal com lugar na Barcelona de 1912.
Quando um cadáver é encontrado numa viela estreita, dilacerado e sem uma gota de sangue, criam-se rumores de que um vampiro se move pelas sombras da cidade, roubando as almas dos inocentes. Para a polícia, sobretudo para aqueles que a governam, trata-se apenas de mais um corpo inerte num lugar onde a morte e o crime são tão frequentes quanto banais. O mesmo acontece para os muitos casos de crianças desaparecidas, filhos das muitas prostitutas que enchem as sombras das ruas e vão chorando em silêncio, incapazes de contar a verdade.
Moisès Corvo, uma espécie de Philip Marlowe com sotaque espanhol, vê a coisa de outro modo, apesar de os seus chefes se valerem da máxima “se não há denúncia, não há investigação”. Corvo, que detesta que o chamem de Sherlock apesar de nutrir uma grande admiração por Lestrade, irá desenvolver uma investigação paralela por sua própria conta e risco, ele que reconhece como ninguém os olhos da morte (palavras da própria).
Misturando o terror gótico com a arqueologia do crime real, Marc Pastor evoca em “A mulher má” a escrita de Poe e de Stoker – e, claro, a de Carlos Ruiz Zafón -, trazendo à memória personagens tão imortais como Sherlock Holmes ou Philip Marlowe. Os estômagos sensíveis que se cuidem.
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