“Livros de História? Isso é muito chato!” Se alguma vez ouviu esta frase saiba que ela não se aplica, de maneira alguma, ao excelente livro de Oliver Stone e Peter Kuznick, intitulado “A História Não Contada dos Estados Unidos” (Vogais, 2015).
O realizador Oliver Stone nunca fugiu dos temas polémicos: “Platoon”, “Nascido a 4 de Julho” e “JFK”” são exemplos de filmes que questionaram a versão oficial de acontecimentos históricos americanos, prosseguindo o livro nesta mesma linha. Escrito por Stone e pelo historiador Peter Kuznick, foi ainda adaptado a uma excelente série documental com o mesmo nome.
Stone e Kuznick rechearam este livro com tudo o que de interessante se passou na história americana dos últimos 115 anos. Repleto de personalidades carismáticas, os actores da História são retratados como seres humanos, com todos os seus defeitos e fragilidades. Claro que a história dos Estados Unidos é, em larga medida, a história do mundo como o conhecemos.
Os autores apontam o foco a uma série de factos pouco conhecidos, que desafiam a visão consensual dos livros de História. Alguns exemplos:
– Os Estados Unidos tiveram um papel menor na vitória dos Aliados sobre a Alemanha Nazi. O país que, na realidade, derrotou Hitler – e que sofreu o preço mais alto por isso -, foi a Rússia de Estaline. Morreram vinte a trinta milhões de russos, sendo a coragem e a determinação do povo russo o que permitiu uma viragem no curso da guerra.
– As bombas atómicas que arrasaram Hiroxima e Nagasaki não foram decisivas na rendição do Japão. Os japoneses já estavam derrotados quando a primeira bomba foi largada sobre Hiroxima, e essas bombas foram “um aviso implacável e profundamente desnecessário” à União Soviética.
– Quem teve o papel mais importante para evitar a guerra nuclear na crise dos mísseis de Cuba não foi Kennedy mas sim Nikita Khrushev, no “momento mais perigoso da história da humanidade”.
Um dos capítulos mais interessantes do livro é, precisamente, o que relata a história da crise dos mísseis em Cuba no ano de 1962. No auge da confrontação entre a América e a Rússia, há um submarino soviético que é atingido por uma carga de profundidade de um navio americano. Perdem os meios de comunicação. O Comandante, em pânico, pensa que a Guerra já terá começado, e prepara-se para lançar um torpedo nuclear contra uma cidade americana. Felizmente para a humanidade, há um oficial político russo que o consegue acalmar, evitando assim, sozinho, uma guerra nuclear que provavelmente teria destruído o planeta. Todos temos uma dívida de gratidão para com este obscuro oficial russo.
Esta obra é particularmente crítica para com a política externa seguida pelos Estados Unidos desde o pós-guerra, argumentando que a visão da América como “polícia” do mundo, que intervém nos outros países para repor a ordem democrática e a moral, não passa de um mito alimentado pelas várias Administrações americanas, tanto Democratas como Republicanas. Ao longo dos anos, os Estados Unidos têm intervindo nos outros países contra a democracia e contra os direitos humanos em inúmeras ocasiões – foi assim no Vietname, na Nicarágua, no Irão, no Iraque e no Afeganistão, entre outros.
E fica patente que o rumo dos eventos poderia muitas vezes ter sido diferente. Houve amplas oportunidades para seguir um outro caminho, como quando os Democratas elegeram para Vice-Presidente Harry Truman em vez do progressista Henry A. Wallace. Truman foi quem deu a ordem para lançar as duas bombas atómicas sobre o Japão, algo que provavelmente Wallace não teria feito.
Também em 1986 Mikhail Gorbachev proporia a Reagan o desarmamento a uma escala nunca antes vista, e a teimosia do então Presidente em renunciar ao irrealista programa militar “Guerra das Estrelas” bloqueou as negociações. Foi perdida uma oportunidade histórica para a paz.
Fast Forward para 1991: segundo Stone e Kuznick, a intervenção dos Estados Unidos no Médio Oriente foi sempre baseada na fraude, desde a Operação Tempestade no Deserto, ordenada por George Bush pai, até à invasão do Iraque em 2003, iniciada pelo filho. A mentira foi uma ferramenta usada sem pudor pela Administração de George W. Bush e dos neoconservadores: são gritantes exemplos a ligação “forçada” entre o 11 de Setembro e Saddam Hussein, e as famosas “armas de destruição maciça” que nunca existiram, usadas para justificar a invasão militar. “Desestabilizámos toda a região, provocando o caos. E depois culpámos o auto-proclamado Estado Islâmico pelo caos que causámos”, afirma Stone.
Esta maneira de actuar assenta numa ancestral convicção dos responsáveis políticos norte americanos: acreditam que a América, ao contrário dos outros países, tem um papel especial no mundo, sendo superior às restantes nações. Há nesta crença uma grande arrogância, aliada a um medo de mostrar fraqueza perante os inimigos. Um traço de carácter que foi apurado com a Guerra Fria, mas que perdurou muito para além dela, até aos nossos dias. Enquanto os Estados Unidos não tiverem coragem de reconhecer esta realidade, vão continuar presos numa ilusão perigosa, para eles e para todo o mundo. Stone afirma: “Nós não estamos sob ameaça. Nós somos a ameaça”.
5 Commentários
Um tema muito interessante! Uma das características do Ocidente é esta mesmo – a sua capacidade de auto crítica, de se ridicularizar perante a Humanidade e colocar a “nu” os seus mal feitos e as suas falhas.Creio que é isso que nos distingue do resto do mundo! Oliver Stone é um dos maiores críticos da sua amada Nação!
Sou louco para entender quais estratégia fizeram dos EUA a maior potência mundial, e como isso se sustenta, mas os livros focam só nas guerras, que coisa chata.
Procure na internet – os Rothschilds… terás ótimas indicações para explicar o surgimento dos “USA Inc,”, arrendatários das colonias da América do Norte…
Qualquer país que estivesse na posição dos Estados unidos faria as mesmas coisas, e, quem sabe,pior.
Otimo livro! Mostra desnuda o deus yankee, que Hollywood nos impõe desde a infância. Mostra a ameaça que é uma nação que possue orcamento militar superior ao de todas outras nações somados. Infelizmente fala pouco sobre economia, e o vergonhoso sistema de eterna crise financeira de wall street. Porém muito interessante quando fala sobre como as empresas/bancos yankees permaneceram negociando com os nazistas, mesmo após a queda da máscara de Hitler.