Não deixa de surpreender que Robert Byron tenha sido expulso de Oxford na juventude por “comportamento hedonista e rebelde”, quando ao longo da narrativa da sua viagem ao Oriente tudo o que evidencia seja o maior estoicismo, entrega total na perseguição do seu objectivo de conhecimento do mundo e do outro pela experiência, por mais dura que seja.
A este livro, “A Estrada para Oxiana” (Tinta da China, 2014), publicado agora pela primeira vez em Portugal, todos os elogios já foram feitos – considerado a obra-prima da literatura de viagens e comparado aos grandes clássicos noutras áreas da literatura. Como dizia um outro grande viajante mais recente, Bruce Chatwin, trata-se de «um livro sagrado, além de toda a crítica», um livro-companheiro de viagem, semelhante a um talismã e, esta aura de distinção, não facilita qualquer consideração sobre ele que não tenho sido já mencionada.
O inglês Robert Byron, parente afastado de Lord Byron, nasceu numa família da aristocracia inglesa. Teve uma vida confortável, abastada, mundana, moveu-se num meio altamente privilegiado, abrindo-lhe possibilidades de ser o que quis: viajante. Mas ser viajante não é para todos, por mais privilegiado que se nasça. Byron tinha 28 anos em 1933, quando começou a viagem que o seu livro descreve desde Veneza, Chipre, seguindo pela Palestina, Síria, Iraque, sobretudo a Pérsia e o Afeganistão, onde mais se detém, na direcção de Oxiana, a região do rio Oxus na fronteira do Afeganistão com a União Soviética e chega à Índia onde finalmente escreve a obra a partir do seu diário. Lugares míticos das histórias e da História antiga e actual.
A forma de viajar deste homem extremamente moderno é rigorosa e devotada como a uma causa. Embrenha-se nos lugares absorvendo a realidade com todos os sentidos, respeitando o que vê, sem o espírito de superioridade ocidental. É, aliás, um crítico da actuação dos ingleses na Índia. Observador e conhecedor da História, da geografia da política e da cultura dos países que percorre, com a paixão incansável pela arquitectura, empreendendo todos os esforços para visitar os mais extraordinários monumentos, conhecidos ou remotos, alguns em ruínas, que descreve minuciosa e apaixonadamente – santuários, mesquitas, jazigos, mausoléus, colunas, torres, jardins…, a maior parte certamente impossível de ver hoje.
Despreza muito do que costuma deslumbrar o viajante porque não parece gostar dos lugares-comuns e tem conhecimentos para escolher muito além do pitoresco. A minúcia das descrições encontra paralelo na minúcia das descrições sedentárias de Proust, que a certa altura Byron diz estar a ler: «Nos últimos três dias tenho lido Proust (e observo que começa a infiltrar-se neste diário uma infecção de pormenores descomedidos).»
A obra tem muitas camadas, muitas leituras, e ganha em não ser lida de uma só vez, mas com detalhe e por etapa. É um livro de aventuras carregado de exterior e acontecimentos e um conjunto de ensaios temáticos sobre aquela vasta parte do mundo. Não falta o humor nas descrições dos encontros com as personagens locais, como sejam os motoristas de autocarros, os burocratas, os polícias, os diplomatas, os missionários, os religiosos, os líderes, o povo comum. Também não falta poesia nas mais simples passagens, como este quase haiku:
Lá em baixo, ao longe, aproxima-se um cavaleiro.
– a paz seja convosco.
– a paz seja convosco.
Clip, clop, clip, clop, clip, clop… Estamos novamente sozinhos.
Ou esta:
Durante a tarde desenhei o pátio: um cepo de árvore podada, uma fonte vazia e uma corda de roupa a pingar da chuva deram-me uma nova ideia do que pode ser um jardim persa.
As últimas linhas de “A Estrada para Oxiana” são para Inglaterra, no regresso a casa, e para a mãe, que sempre representa o verdadeiro regresso: «Os nossos cães vieram a correr ao meu encontro. E depois a minha mãe – a quem, agora que está terminado, entrego o relato da viagem. Tudo quanto vi foi ela que me ensinou a ver, e ela me dirá se lhe honrei os ensinamentos.»
Sabemos que R. Byron em breve partiria para a última viagem. Anti nazi convicto embarcou como correspondente de guerra num navio com destino à África Ocidental, que foi torpeado pelos alemães ao largo da Escócia. Aí morreu na véspera de completar 36 anos.
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