Nascido no País de Gales no ano de 1975, Cynan Jones conta já com três romances publicados em Inglaterra, todos eles editados pela prestigiada Granta e sobre os quais sem têm dito – e escrito – coisas muito boas: The Long Dry (2006), Everything I Found on the Beach (2011) e The Dig (2014).
Em Portugal, a estreia de Cynan Jones faz-se ao inverso da ordem cronológica, como aconteceu à semelhança da mais tresloucada Gillian Flynn. E, se é verdade que o ano de 2016 começa ainda a ser desenhado tenuemente e a lápis, “A Cova” (Cavalo de Ferro, 2016) assume-se, desde já, como um livro capaz de figurar em muito bom top literário quando chegar o momento de fazer contas.
Penetramos no interior rural galês, lugar onde Daniel procura sobreviver à perda recente e traumática da sua mulher, morta com um coice de cavalo. Daniel continua a ocupar-se da quinta e a tratar dos seus animais, mas há um sentimento de perda palpável em cada lugar e tarefa que realiza, a que se junta um ar de premonição e antecipação de uma (de certa forma desejada) tragédia: “A adrenalina voltou a varrê-lo. Sentiu um súbito receio desta, uma certeza de que alguém lhe tinha tocado ou que ia tocar-lhe e magoá-lo outra vez. Era inexplicável.”
Em paralelo seguimos a história de uma personagem rude, severa e violenta apresentada como o “homem grande“, que se dedica à caça clandestina do texugo, uma espécie protegida, para fins ilegais e de uma violência extrema. Um ser avesso, tal como Daniel, ao intercâmbio social, preferindo a solidão anónima e silenciosa: “Para ele, isso era o pior: estar na proximidade de pessoas e ser obrigado a adequar-se ao seu sistema social.”
Enquanto o homem grande é alguém cujo espírito resiliente salta para fora das páginas, Daniel recorda uma versão mais romântica de Bjartur, essa personagem emblemática desenhada por Halldór Laxness no magistral “Gente Independente” (também com edição pela Cavalo de Ferro), de quem “A Cova” arrancou uma pequena costela – uma outra terá sido arrancada a Cormac McCarthy, numa escrita que tem deste os mesmos parágrafos curtos e uma forma cínica, clínica e despojada de servir uma violência de todo o tamanho ao leitor.
“A Cova” apresenta-nos a dois fantasmas, situados em pólos opostos do universo dual feito do bem e do mal, mas que partilham o mesmo isolamento e uma relação intensa com a Terra e os animais que nela passeiam. Trata-se de um livro que balança entre a vida e a morte, a compaixão e a violência gratuita, arrastando-nos para o que de mais belo e cru a existência humana tem para oferecer. Um pequeno-grande romance sobre o desespero, o amor incondicional e as perdas irreparáveis .
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