Logo no início de “Um Negócio das Arábias” – “A Hologram for the King” no original -, somos tomados de assalto por uma visão onírica: Alan Clay (Tom Hanks) canta os males do (seu) mundo ao som de “Once in a Lifetime”, um clássico dos Talking Heads, perguntando: “Como vim parar aqui?”. “Aqui” significa divorciado, prestes a partir para a Arábia Saudita e sem dinheiro suficiente para pagar as propinas da filha. Estamos em 2010, em plena recessão económica, e Clay espera celebrar um contrato chorudo apresentando um sofisticado sistema holográfico de teleconferências na presença do Rei; no entanto, a tarefa revela-se bem mais espinhosa do que seria de esperar, já que o monarca nunca está presente por causa de outros compromissos. Dia após dia, Clay dirige-se para a Metrópole Real de Economia e Comércio e, dia após dia, vê a sua missão adiada para a manhã seguinte – fazendo-nos recordar a sucessão de peculiaridades com que Bill Murray se debate em “Groundhog Day”.
Além disso, Clay sente-se diminuído por diversos factores: a diferença horária, uma forte depressão e um quisto gigantesco nas costas – que, na sua opinião, lhe retira toda a energia. Este quisto serve, aliás, como metáfora para a crise de meia-idade com que o homem de negócios se depara. E o cenário desolado que ali encontra, tão longe de Boston – o destino de origem -, também não ajuda: estamos perante uma cidade ainda em construção, à espera de negócios que não passam para já de uma miragem, sendo que a conclusão de todo o projecto só está prevista para o longínquo ano de 2025.
Para tornar as coisas mais complicadas, a equipa de Clay vê-se obrigada a trabalhar numa tenda sem as condições mínimas, como ar condicionado ou Wi-Fi. E, embora procure manter a calma brincando com a situação – “Só mesmo uma bala de ouro poderá acabar comigo”, numa clara referência a “Lawrence da Arábia” -, sente-se tão perdido perante o cortejo de obstáculos como os restantes colegas. Nem mesmo a tentativa de sedução por parte de uma bela colega dinamarquesa, Hanne (Sidse Babbett Knudsen, que muitos conhecem da série “Borgen”), o salva do estado de torpor em que se encontra. Contudo, eis que surge Zahra (Sarita Choudhury), a médica que o trata em diversas ocasiões e com quem protagoniza algumas das melhores cenas deste filme – como a do mergulho, sob eventuais olhares indiscretos, em pleno Mar Vermelho.
Tom Twyker trabalhou em parceria com Dave Eggers, o autor do aclamado romance sobre as fragilidades do Sonho Americano em que esta longa-metragem se baseia, e o resultado final ilustra, de forma competente, como uma viagem marcada pelo vazio pode dar origem a novas possibilidades. Numa terra onde os habitantes não dispensam o uso de tablets por causa dos jogos de vídeo ou não passam sem ouvir música pop americana – como o motorista Yousef (hilariante Alexander Black), de quem Clay se torna amigo -, talvez seja possível, contra todas as expectativas, escapar à frieza de um mundo cada vez mais globalizado.
A linha que separa a sensação de derrota e a vontade de recomeçar torna-se cada vez mais ténue e a eterna espera – como quem esperava por Godot – por dias melhores poderá estar perto do fim. Não será fácil para um americano pronunciar um nome como “Kierkegaard”, tal como Clay se identifica à porta da embaixada dinamarquesa; mas, mesmo um homem sem grandes conhecimentos de Filosofia reconhece as emoções e os sentimentos que nos visitam perante as escolhas que a vida oferece.
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