Em plena geração da nostalgia, vale tudo no campeonato das sequelas. Inclusive ir repescar “Top Gun – Ases Indomáveis”, o clássico de Tony Scott, 36 anos depois, o que faz de “Top Gun – Maverick” a sequela recordista com o maior intervalo de tempo (quer dizer, pelo menos em imagem real, porque o Bambi 2 continua a ter a marca absoluta de 64 anos). O curioso aqui é que, enquanto Kelly McGillis envelheceu como uma mulher de 60 anos, ou Val Kilmer teve um cancro na garganta que o obrigou a uma reforma antecipada, Tom Cruise continua na mesma e a brincar como se ainda estivesse nos seus 20 anos, dispensando inclusive duplos. Existe a real possibilidade de ter descoberto a fonte da juventude e não nos ter dito nada, mas para já são apenas suposições.
“Top Gun – Maverick” não podia então ignorar este tema da passagem do tempo, e ele está bem presente no filme. Aliás, é mesmo o melhor desta sequela. Top Cruise, ou seja, Maverick, continua igual a si mesmo no filme de Tony Scott: irreverente, dono do seu próprio nariz e, claro, insolente. Por isso, continua parado na patente de capitão, enquanto vai coleccionando condecorações. Afinal de contas, continua a ser o melhor piloto de sempre de aviões de combate.
É como se Maverick se recusasse a envelhecer, e esse complexo de Peter Pan assenta que nem uma luva ao próprio Tom Cruise. Estará “Top Gun – Maverick” a falar da personagem ou do próprio actor? No início do filme, Maverick está a testar uns aviões super-sónicos, a tentar bater a barreira do som de mach 10, mas quando Ed Harris aparece para descontinuar o programa (o futuro são os drones, diz ele, e mais uma vez eis o embate de frente com o progresso), Maverick é enviado de volta para o programa Top Gun, que treina os melhores pilotos da marinha norte-americana. É que há uma missão perigosa para concluir, num país genérico que nunca é nomeado, de forma a manter este filme intemporal.
Eis então uma autêntica viagem pela memory lane. Tom Cruise passa pelos mesmos locais do filme de 1986, continua a andar de mota sem capacete e, apesar desta sequela já não ser tão gay como o filme original (afinal de contas, há Monica Barbaro na lista de recrutas), ainda há o refazer do jogo de futebol americano na praia, com muitos homens suados em tronco nu com os abdominais bem definidos). Até Val Kilmer aparece, numa cena curta mas intensa, para assinalar o passar de testemunho entre ambos os filmes. E os veículos motorizados de alta cilindrada continuam a ser a extensão da virilidade masculina daqueles homens – não só os caças, mas também as motas, um barco e, claro, o tal avião super-sónico do início.
É precisamente essa cena com Val Kilmer que vai mudar o tom do filme. Num diálogo emocional, Tom Cruise confessa problemas existenciais e Val Kilmer diz-lhe para deixar isso para trás. Ele responde-lhe que não sabe como e, pronto, tudo fica resolvido. Tom Cruise volta para o cockpit dos caças, torna-se líder de equipa da missão super-perigosa e parte para bombardear a tal fábrica de enriquecimento de urânio no tal país genérico, para um acto final que é, provavelmente, uma cena perdida da última sequela do Missão Impossível. Precisávamos desse war movie para terminar “Top Gun – Maverick”? Claro que não, mas onde é que já se viu um blockbuster moderno sem abusar das explosões?
Até aí, “Top Gun – Maverick” é um imprevisto bom filme, com personagens reais e até alguma coisa para dizer. Tudo isto embrulhado na tal embalagem do blockbuster, com os efeitos especiais analógicos (Tom Cruise exigiu que a sequela não tivesse CGI) que dão realismo ao filme. Só não se percebe é que, no treino dos novos recrutas, não tenha havido um que conseguisse terminar um único exercício com êxito. Mesmo assim, lá foram para a missão suicida e completaram-na de forma perfeita. E porquê? Porque Tom Cruise, o homem mais perfeito e maravilhoso à face de Hollywood, estava lá para os liderar. Só é pena não conseguir transformar Double Cheeseburger em caldeirada de choco.
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