Os seus muitos adeptos, que a ele recorrem através de vídeos no youtube ou a playlists sacadas ao Spotify, dizem ter uma capacidade de relaxamento fora de série, capaz de competir com o Yoga e outras tendências zen. Fala-se aqui do brown noise que, através de sons variados, muita estática e todas as frequências que os nossos ouvidos conseguem apanhar, parece ter a capacidade de aliviar o stress ou mesmo de substituir a contagem de carneiros rumo a uma noite bem dormida, acalmando o ensurdecedor monólogo interior com que muitas vezes nos enfrentamos.
Um som que daria um jeito tremendo a Jeanne, protagonista do filme “Toda a gente gosta de Jeanne”, a braços com um dos momentos mais difíceis da sua vida, incapaz de calar uma voz interior que a coloca a milímetros de uma depressão de todo o tamanho. Voz interior que é um genial triunfo desta comédia romântica escrita, realizada e desenhada por Céline Devaux, e que surge de forma animada como uma espécie de esfregona que tanto pode passar dias e dias sem tomar banho como, com uns rápidos retoques, desfilar com sensualidade numa passerelle. E que, entre o sarcasmo, a ironia e o bota-abaixo, não esquecendo as muitas danças, cantorios e outfits, vai tratando de minar a confiança daquela cabecinha onde está hospedada, aconselhando-a desde logo a atirar-se para a frente de um autocarro que passa em velocidade de ponta.
Jeanne (Blanche Gardin) é uma mulher que passou, em segundos, de potencial candidata a mulher do ano, capa de revista ou protagonista de momentos televisivos a alguém que está, a centímetros, da bancarrota, perseguida por gente de boa fé transformada em credores depois de um projecto ambiental que deu para o torto. A solução para esta alhada poderá morar em Lisboa, através da venda do apartamento que pertencia à sua mãe recentemente falecida, um fantasma que vai assombrando os seus dias depois de ter saltado da ponte 25 de Abril.
Em Lisboa, a vida de Jeanne irá balançar entre dois potenciais consolos amorosos: Jean (Lafitte), um antigo colega do liceu francês que, depois de curar uma depressão onde lhe deu para vestir a pele de um João Baptista benzedor, ganhou um refinado gosto cleptomaníaco; e Vitor – e não Victor -, um ex-namorado e pai recente que vive uma relação aberta, com tendência para interpretar canções à guitarra no momento pós-coito.
A forma como Céline Devaux gere a mistura entre a geometria e exactidão do real e a pura anarquia visual é puro deleite, num filme que, apontando à leveza, tem camadas suficientes para descascar uma cebola: a destruição das cidades, a morte dos bairros populares, o neo-liberalismo desenfreado ou a resistência desigual frente à mudança violenta. Mas, também, a capacidade de encontrar a libertação ao abraçar, sem medo, alguma loucura. Bravo, Céline.
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