Woody Allen fez 82 anos no início de Dezembro, mas não parece estar disposto a abrandar o ritmo: “Roda Gigante” – “Wonder Wheel” no original – é o seu 49º filme, e o cineasta garante que não pretende parar de filmar nos próximos tempos. Após uma longa discussão com Patricia DiCerto, a directora de casting, Kate Winslet acabou por surgir como o nome mais acertado para desempenhar o papel de protagonista – e os elogios à actriz britânica não tardaram, já que veste a camisola com o rigor que todos lhe reconhecem.
Winslet é Ginny, uma mulher frustrada por ter perdido o primeiro marido, um baterista que desapareceu da sua vida com a mesma rapidez com que o filho de ambos, Richie (Jack Gore), acende um fósforo. O desespero leva-a a casar-se com Humpty (Jim Belushi), deixando para trás a carreira de actriz. Agora, nada mais lhe resta que não seja trabalhar como empregada de mesa numa marisqueira, enquanto Humpty se ocupa de um carrossel. Vivem num parque de diversões situado em Coney Island e a “roda gigante” que dá título ao filme surge omnipresente e algo ameaçadora – índependentemente da parte da casa onde se encontrem. E não é apenas o ruído incessante das diversões que atormenta Ginny; raro é o dia em que Richie não incendeia algo por onde quer que passe.
A partir do momento em que o amor verdadeiro e a promessa de uma vida artística se converteram numa miragem, sendo a única consolação uns tragos de álcool, a desesperança instala-se. O suicídio surge como a única fuga possível. É precisamente no instante em que equaciona atirar-se ao mar que Ginny conhece Mickey Rubin (Justin Timberlake), uma nadador-salvador que sonha em tornar-se um romancista na linha de Eugene O’Neill, “um grande conhecedor da natureza humana”. Apesar de ainda ser muito novo, Mickey já correu o mundo, uma vez que se trata de um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. Estamos na década de 1950 e as conversas sobre teatro e literatura depressa resvalam para algo mais. Os encontros secretos multiplicam-se, levando Ginny a alimentar a ilusão de que poderá finalmente abandonar o parque de diversões que tanto despreza. Na companhia de Mickey, claro.
Mickey, por seu turno, não dá a mesma importância a este relacionamento – sobretudo depois de conhecer Carolina (Juno Temple), a filha recém-chegada de Humpty. Após ter fornecido informações sobre o marido ao FBI, Carolina pede refúgio ao pai, com quem não falava há vários anos. Perseguida por um par de criminosos e sem um tostão no bolso, acaba por se tornar, sem saber, a semente da discórdia: Ginny percebe que passou para segundo plano e os acessos de fúria são cada vez mais intensos. Até ao momento em que uma situação lhe permite responder a uma pergunta formulada dias antes: seremos impotentes perante o destino ou somos nós os autores das nossas pequenas tragédias? Neste ponto, é impossível não evocarmos a personagem de Martin Landau em “Crimes e Escapadelas”, que também se confrontou com uma decisão fatal. Contudo, “Roda Gigante” está muitos furos abaixo da obra-prima de 1989, ainda que não seja o pior filme de Woody Allen.
Além disso, não deixa de ser um consolo ver como o cineasta aborda um dos seus temas mais caros – destino vs. livre-arbítrio -, prestando uma homenagem à grande literatura – desde a tragédia grega aos romances de Tchékhov. A melancolia e o peso das fatalidades sempre tiveram uma enorme relevância na sua filmografia, e o talento de Winslet imprime uma densidade inequívoca a esta longa-metragem. Que o Altíssimo conserve o realizador em boa forma: aguardamos o 50.º filme com inusitada expectativa.
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