O Porto/Post/Doc realiza-se entre os dias 20 e 30 de Novembro no Teatro Municipal do Porto – Rivoli, Passos Manuel, Coliseu Porto Ageas, Casa Comum da Reitoria da Universidade Porto e Planetário do Porto – Centro Ciência Viva. À semelhança do que aconteceu em 2020, o festival contará ainda com uma extensão ao online, onde será possível visualizar grande parte dos filmes seleccionados. Mostramos o que já se sabe até à data.
Foco na Obra de Theo Anthony e Basir Mahmood
Um foco na obra do americano Theo Anthony e uma sessão especial com obras do paquistanês Basir Mahmood integram a programação do Porto/Post/Doc, a que se junta um programa especial sob o tema Ideias para Adiar o Fim do Mundo, um ciclo inspirado nas ideias e obras de Ailton Krenak, activista e pensador indígena que integrará, ao lado da programadora e curadora Susana Rodrigues e encenador e escritor João Sousa Cardoso, o júri internacional do festival.
Desde a estreia no festival de Sundance de “All Light, Everywhere” (na foto), potente filme-ensaio sobre a videovigilância e a utilização de câmaras pelas forças policiais nos EUA, que o jovem cineasta Theo Anthony se afirmou como um dos nomes mais estimulantes do novo documentário norte-americano. A sua estreia, na longa-metragem, havia-se dado em 2016, com “Rat Film”, um documentário sobre os problemas raciais, de urbanismo, de influência estatal na segregação e as condições de vida de certas camadas da população mais pobres e racializadas de Baltimore. Inaugurava-se aí um esquema narrativo de uma inteligência profundamente contagiante, que se tornaria a sua imagem de marca. No entanto, seria com a curta-metragem “Subject to Review”, uma encomenda do canal televisivo de desporto ESPN, que Anthony se afirmaria enquanto autor. O filme “inocentemente” dedicado à utilização do sistema “olho de falcão” nos jogos profissionais de Ténis revelava-se, afinal, uma parábola electrizante sobre os limites da percepção da realidade e, como tal, sobre os limites da justiça. No foco que o festival portuense lhe dedica serão exibidos “All Light, Everywhere” (2021), “Chop My Money” (2014), “Peace In The Absence Of War” (2015), “Rat Film” (2016) e “Subject To Review” (2019). O realizador marcará presença no Porto para apresentar a retrospectiva.
Espaço de Cinema Para o Ar Entrar e Circular. É este o nome da sessão especial que, ao longo de 70 minutos, projectará em contínuo uma selecção de seis trabalhos do artista Basir Mahmood, descrevendo uma década do seu trabalho, entre a videoarte e o cinema. Uma proposta em estreia nacional que trabalha sobre o limites da percepção da realidade e revela as recorrências e obsessões do cineasta paquistanês. A primeira, o modo como a intervenção da câmara altera o real, impondo a encenação e o desconforto dos gestos. A segunda, o seu interesse pela banalidade de certas acções quotidianas, que a constante repetição eleva a uma dimensão quase iconográfica. A um terceiro nível o subtexto político, tanto no choque cultural entre ocidente e oriente, como no papel da farsa na dramaturgia eleitoral ou o papel dominante da masculinidade e a violência de género que lhe está associada. Por fim, a sua relação com a história do cinema do seu país, e as ruínas de Lollywood (como é chamada a indústria de cinema do Paquistão, que nos anos 1970 foi a quarta maior do mundo, e hoje está reduzida a subprodutos televisivos). Basir Mahmood recebeu o prémio Paulo Cunha da Silva em 2020 e o Ammodo Tiger Short Award no Festival de Roterdão deste ano.
FOCO THEO ANTHONY
All Light, Everywhere, Theo Anthony, DOC, 2021, EUA, 109′
Chop My Money, Theo Anthony, DOC, 2014, Congo, 13′
Peace In The Absence Of War, Theo Anthony, DOC, 2015, EUA, 5′
Rat Film, Theo Anthony, DOC, 2016, EUA, 83′
Subject To Review, Theo Anthony, DOC, 2019, EUA, 37′
BASIR MAHMOOD
Espaço de Cinema Para o Ar Entrar e Circular
Voices Are Mine, Basir Mahmood, DOC/EXP, 2018, Paquistão, 20′
Death, At Least Once, Basir Mahmood, DOC/EXP, 2020, 10′
Manmade, Basir Mahmood, DOC/EXP, 2010, 13′
Power Between Weak, Basir Mahmood, DOC, EXP, 2015, 4′
Sunsets, Everyday, Basir Mahmood, FIC, 2020, Itália, 15′
Thank You For Coming, Basir Mahmood, DOC, EXP, 2013, 7′
Laurent Garnier, IDLES, Karen Dalton e Dinosaur Jr. vão passar pelo ecrã do Porto/Post/Doc
Dedicada a pensar os movimentos mais emergentes e referenciais da música à escala mundial, a secção Transmission propõe, para 2021, dez documentários que medem o pulso à forma como as artes são espaço para o debate e o derreter das fronteiras sociais. Em destaque a estreia nacional de “Laurent Garnier: Off The Record”, “Don’t Go Gentle – a film about IDLES”, “Freakscene – The Story of Dinosaur Jr.” e “All The Streets are Silent”, um filme sobre as correlações entre o hip hop e a cultura skater da nova Iorque dos anos 90. Palavra especial para a redescoberta de duas histórias no feminino: a revisita à obra da cantautora norte-americana Karen Dalton e o percurso de ascensão e superação de Marin Alsop, uma das mais importantes maestrinas da actualidade. A passarem pela primeira vez nas salas do Porto, “A Symphony of Noise”, sobre o trabalho do multifacetado Matthew Herbert e “Nueve Sevillas”, um retrato pungente e transgeracional sobre a comunidade do flamenco sevilhano com participação, entre outros, de Rosalía e Nino de Elche. Este último será exibido no último dia da exposição que o realizador, Pedro G. Romero, tem patente na Galeria Municipal: “Os novos babilónios”, cujo foco está nas formas de vida nómadas, particularmente nos povos de etnia cigana, flamencos e exilados libertários.
No plano nacional, primeiras passagens no Passos Manuel para “Caudal”, um filme sobre primeiro concerto dos portuenses Solar Corona no pós confinamento, e “What is Ácida?”, uma curta sobre o processo de criação desta que é uma das mais interessantes noites da cidade.
Cerca de quarenta anos depois daquela que foi uma das maiores revoluções no campo da música de dança, “Laurent Garnier: Off The Record” leva-nos por uma viagem na primeira pessoa à história de um dos seus mais respeitados djs e produtores. Percorrendo alguns dos mais marcantes momentos da história do techno, rave e house, entre Chicago, Detroit, Paris ou Manchester, o filme integra imagens, testemunhos e recordações de algumas das figuras mais emblemáticas e casa icónicas de um movimento que marcou a forma como hoje se olha para as pistas de dança.
Dois anos depois daquela que foi a última e explosiva passagem dos IDLES pelos palcos portugueses, a banda de Bristol, a quem alguns atribuem a dianteira de um novo movimento punk rock a brotar no Reino Unido, estreia-se no grande ecrã com um filme-viagem sobre a forma como o colectivo liderado por Joe Talbot tem vindo a quebrar estereótipos, abrindo espaço para uma conversa séria em torno da saúde mental e das realidades que atormentam uma geração. Realizado por Jeremy Elkin, “All the Streets Are Silent” assume-se como uma fotografia da cidade de Nova Iorque nos anos 90, capturando os momentos mais relevantes do momento de transformador em que a cultura skater e o hip hop se cruzaram. Tendo como ponto de partida imagens de arquivo de influentes personagens desse tempos, como Justin Pierce e Harold Hunter (recordemos aqui o papel de ambos no filme de culto de Larry Clark, Kids), e entrevistas a artistas e promotores que por essa altura despontavam (Fab 5 Freddy ou Darryl McDaniels dos Run-DMC, entre outros), Elkin monta um retrato íntimo para a forma como toda uma geração transformou as relações raciais da Big Apple.
Ainda em solo americano, a homenagem a um dos mais reconhecidos nomes da costa este dos Estados Unidos: “Freakscene – The Story of Dinosaur Jr.” é mais do que uma homenagem a uma das bandas que precede a génese do grunge, é uma montanha russa emocional, divertida e ruidosa sobre a relação criativa e pessoal entre J. Mascis, Lou Barlow e Murpha, desde a fundação até aos dias de hoje. O documentário conta com declarações de Kim Gordon e Thurston Moore (Sonic Youth); Kevin Shields (My Bloody Valentine); Henry Rollins (Black Flag / Rollins Band) e Bob Mould (Hüsker Dü / Sugar), entre outros.
Cantora de folk e blues, Karen Dalton era uma das mais proeminentes figuras dos 60s em Nova Iorque. Idolatrada por nomes como Bob Dylan ou Nick Cave, Karen descartou toda as possibilidades de uma carreira nas luzes da ribalta, levando uma vida muito pouco convencional até à data da sua morte precoce. Tendo como fio condutor a voz e composições de Dalton (já que quase todas as suas gravações em vídeo forma perdidas ou destruídas), “Karen Dalton: In My Own Time” recorre a melodias, entrevistas com amigos e amantes e material inédito para desenhar um poético filme sobre uma mulher singular e a sua inesquecível música.
Impressionante história de vida é também a Bernadette Wegenstein eterniza em “The Conductor”, um filme que transporta a audiência para o coração da música clássica e para a alma daquela que é, hoje, um dos seus nomes maiores: a maestrina Marin Alsop. Um filme que é também o testemunho de luta contra o estabelecido e da forma como Alsop se assumiu num universo marcado pelo patriarcado e pela falta de oportunidades para as mulheres.
PROGRAMAÇÃO TRANSMISSION
A Symphony of Noise, Enrique Sánchez Lansch, Alemanha, 2021, DOC, 96′
All The Streets Are Silent, Jeremy Elkin, EUA, 2021, DOC, 89′
Caudal, Luís Sobreiro, Portugal, 2021, DOC, 38′
Don’t Go Gentle – A film about IDLES, Mark Archer, Reino Unido, 2020, DOC, 75′
Freakscene – The Story Of Dinosaur Jr., Philipp Reichenheim, Alemanha, Reino Unido, 2020, DOC, 82′
Karen Dalton: In My Own Time, Richard Peete, Robert Yapkowtiz, EUA, 2020, DOC, 85′
Laurent Garnier: Off The Record, Gabin Rivoire, Bélgica, Reino Unido, 2021, DOC, 89′
Nueve Sevillas, Gonzalo García Pelayo, Pedro G. Romero, Espanha, 2020, DOC. 157′
The Conductor, Bernadette Wegenstein, EUA, 2021, DOC, 90′
What Is Ácida?, Afonso Mota, João Silvestre , Portugal, 2020, DOC, 14′
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