Ainda “X” não tinha sequer estreado (quanto mais estado nas listas dos melhores filmes de 2022 de muito boa gente) e já Ti West e a sua protagonista, Mia Goth, trabalhavam numa prequela. Aliás, “Pearl” foi mesmo filmado em simultâneo, tendo estreado pouco depois de “X”.
Para quem viu “X”, “Pearl” é a origem da senhora idosa que mata os jovens que vão filmar um porno na sua quinta. Os que não viram não precisam de se preocupar, porque ambos os filmes funcionam de forma independente. Aliás, só sabemos que este é uma prequela de “X” porque nos disseram na promoção. Caso contrário, nada no filme faz a ponte com o primeiro.
Assim, enquanto “X” se passava nos anos 70 e prestava homenagem aos exploitations movies, “Pearl” passa-se nos anos 20, no auge da Gripe Espanhola (pessoas de máscara, distância social… onde é que já vi isto?) e no final da Primeira Guerra Mundial, inspirando-se assim no cinema clássico. Depois do primeiro episódio de WandaVision, eis a nostalgia que tem trespassado transversalmente quase toda a produção desta geração, a recuar mais uma vez até Lucille Bal.
Pearl (Mia Goth) é a filha única de uma família de emigrantes alemães de agricultores, que vivem isolados numa quinta com animais. Com o pai em estado vegetal por causa da Gripe Espanhola, e a mãe a aumentar os níveis de paranóia em relação à doença (e os níveis de desespero pela falta de dinheiro para pôr comida na mesa), Pearl vê os sonhos de se tornar numa estrela de cinema serem reprimidos, ao mesmo tempo que dá banho ao pai, limpa a casa, trata dos animais e alimenta o crocodilo. O quê? Como assim?
Por causa do ambiente gótico, “Pearl” faz lembrar os hagesploitation dos anos 60 (consta que Ti West mandou Mia Goth ver “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?”). Contudo, quando Pearl se refugia no seu mundo de contos de fadas e desata a matar gente num verdadeiro banho de sangue, é ela que se transforma na própria hag: eis o nascimento de uma serial killer, encurralada no trauma psicológico de anos de repressão.
Tal como em “X”, “Pearl” procura explorar os motivos por trás da matança, se bem que aqui fá-lo melhor – é também mais fácil quando só se tem uma personagem para trabalhar. Alias, “Pearl” tem, por isso, tempo e espaço para experimentar outras coisas, além do exercício de estilo de refazer um filme de género. O ponto caramelo chega no monólogo final de Mia Goth, com mais de 5 minutos, que faz com que este McChicken seja muito mais interessante que o do filme antecessor. Quando termina e Ti West se recusa a gritar corta, obrigando Mia Goth a manter um sorriso amarelo e neurótico por longos minutos, acaba por ser mais enervante do que qualquer outra cena gore de “Pearl”.
Texto publicado originalmente em Royale With Cheese.
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