Em muitos filmes e documentários sobre a Segunda Guerra Mundial, habituámo-nos a ver famílias encostadas à telefonia, escutando atentamente os comunicados oficiais, as intervenções dos líderes, as notícias sobre baixas, avanços e recuos do conflito. “Sugar Cage”, documentário assinado pela realizadora Zeina Alqahwaji, tem sobretudo na telefonia – a par de alguma televisão e do deslizar pela redes sociais – o elo de ligação de uma família ao seu mundo próximo, numa guerra que persiste e se desenrola a curta distância, podendo ser vista e ouvida da janela de sua casa, com vista para Damasco, capital da Síria e um dos 14 distritos de um país mergulhado numa guerra sem fim à vista.
Durante oito anos, sempre que vinha de visita, Zeina Alqahwaji filmou os seus pais, já idosos, na sua vida privada e muito recolhida, acompanhando a contabilidade que se vai fazendo dos mortos, transformados em estatísticas actualizadas dia a dia – desde 2011, estima-se que mais de 400.000 pessoas tenham morrido no conflito sírio.
Ao espectador é permitido partilhar o isolamento, o medo e a estagnação que tomou conta da vida do casal, numa interacção feita de gestos quotidianos, silêncios vários ou uma troca de galhardetes sobre a insanidade alheia que é um verdadeiro mimo. Enquanto a mãe é mais dada à quietude e à contemplação, encontrando na música a melhor forma de levantar o ânimo, o pai entretém-se a reparar todo o tipo de engenhocas, mesmo que por vezes a coisa não corra pelo melhor. Isto numa cidade onde nunca parece haver electricidade e água ao mesmo tempo.
Zeina Alqahwaji consegue mostrar o afecto humano e os laços familiares que permanecem, o medo permanente que se torna mais denso com o que se vê e escuta para lá da janela, a forma como, ainda assim, a pertença a um lugar fala mais alto do que a vontade de partir, ainda que a esperança tenha já dado lugar a uma certa resignação. A passagem dos oito anos não é pressentida, o acesso à história familiar não é concedido – a não ser quando o pai recorda, brevemente, a sua passagem pelo Exército -, mas talvez a intenção de Zeina fosse essa mesmo: fugir ao relato jornalístico, à biografia, ao filme de guerra, e colocar o espectador na mesma gaiola que os seus pais, enquanto as cegonhas voam em liberdade do lado de fora.
Competição Geral | Longas-Metragens
SAB 13 NOV • 19H • SALA 3
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