Ritesh Batra, que iniciou a sua carreira com um sucesso comercial (“A Lancheira”, um filme delicioso onde um contabilista à beira da reforma troca correspondência cada vez mais íntima com a desconhecida que diariamente lhe prepara os almoços), regressa agora com “O Sentido do Fim” – “The Sense of an Ending” no original -, baseado no romance homónimo de Julian Barnes.
Tony Webster (soberbo Jim Broadbent) enceta uma viagem de auto-descoberta quando recebe uma carta relacionada com os seus tempos de juventude. No entanto, devido a obrigações profissionais e familiares, o conteúdo da carta permanece uma incógnita durante várias horas; a demora na loja repleta de Leicas de que é proprietário e o apoio à filha no terceiro trimestre de gravidez adiam uma autêntica avalancha de revelações. Foi graças a uma antiga namorada, Veronica (Freya Mavor), que Tony se tornou empresário, abandonando a ambição de ser poeta: foi das mãos dela que recebeu a sua primeira máquina fotográfica.
Contudo, a humilhação de ter sido trocado por Adrian (Joe Alwyn), o colega que mais admirava quando ainda era tão novo, acabará também por determinar o seu percurso. A admiração era de tal modo intensa que, por vezes, chegamos ao ponto de questionar qual dos dois lhe custou mais perder. Adrian era intelectualmente sofisticado e rapidamente se convertia no centro das atenções, desafiando tanto os seus pares como os professores quando abordava questões filosóficas. Na aula de História, cita um académico chamado Patrick Lagrange para impressionar o docente: “A História é a certeza que decorre das imperfeições da memória aliada à desadequação dos documentos”. No fundo, pretende apenas explicar por que razão é inútil culpar um colega pelo seu suicídio. As verdadeiras razões que nos levam a um acto tão definitivo não deixam de pertencer a uma zona nebulosa, sendo por isso matéria para especulações.
Este regresso ao passado é feito a partir das memórias de Tony, distorcidas não só pela acção do tempo, mas também pela vontade de encontrar algo que o redima depois da tragédia que se abate sobre o amigo. A carta, porém, acabará por mostrar que Tony está longe de saber o que realmente se passou; a referência ao diário de Adrian, que durante anos esteve na posse da mãe de Veronica, Sarah (Emily Mortimer), desenterra uma história muito mal resolvida. E levanta uma série de questões: que tipo de relacionamento mantinham Adrian e Tony? E por quem se sentia mais atraído – por Veronica ou pela mãe, ainda com uma aparência tão sedutora?
Estas ambiguidades aprofundam-se quando descobre que a ex-namorada não pretende revelar o conteúdo do diário; Charlotte Rampling, que só aparece na segunda metade do filme, foi a actriz eleita para desempenhar o papel de Veronica no presente, revelando-se uma escolha acertada: o seu ar “cool” e distante tem tudo a ver com alguém que parece ter sempre as situações mais delicadas sob controlo. Quando se reencontram no centro de Londres tantas décadas depois, as diferenças que os separam agudizam-se e lançam Tony numa espiral obsessiva – ao ponto de espiar Veronica sem que esta se aperceba. Passo a passo, caminha para a revelação final – e brutal.
Pelo meio conhecemos a ex-mulher (Harriet Walter), que também o deixou anos antes, condenando-o novamente à solidão. Talvez seja por isso que se tornou tão ríspido e narcisista, embirrando até com o carteiro. Será o nascimento do neto uma oportunidade para se reencontrar? Ou ficará para sempre marcado pelo sentimento de melancolia, acentuado pela belíssima banda sonora de Max Richter?
O argumento de Nick Payne consegue a proeza de captar a dualidade com que todos nós encaramos o passado, sobretudo quando as frustrações se acumulam como pedras no sapato. Procurando dar significado aos acontecimentos, distorcemos memórias e caímos na armadilha de acreditar que tivemos para os outros a mesma importância que os outros tiveram para nós. A percepção de que nem sempre isso acontece está reservada apenas aos mais lúcidos. Haja coragem para o embate.
3 Commentários
Desde que vi o elenco imaginei que seria uma grande produção, já que tem a participação de atores muito reconhecidos de Hollywood, como Mireille Enos. O vi recentemente em um dos últimos filmes de andy garcia chamado Meu Jantar Com Hervé, e recomendo! É um filme muito divertido, é uma boa opção para uma tarde de filmes. Se ainda não tiveram a oportunidade de vê-lo, eu recomendo, na minha opinião, este foi um dos melhores filmes de drama que foi lançado. O ritmo é bom e consegue nos prender desde o princípio, a historia está bem estruturada, o final é o melhor.
Também adorei.
Excelente filme, tocante e reflexivo.