“O Amor é uma Coisa Estranha” (“Love is Strange” no original) conta-nos a história de Ben (John Lithgow) e George (soberbo Alfred Molina, que decidiu ser actor quando viu Kirk Douglas em “Spartacus”, com apenas nove anos), um casal que decide dar o nó após 39 anos de vida em comum. Contudo, a partir do momento em que oficializam a relação, há que enfrentar as consequências: George perde o lugar de professor de música na escola católica onde trabalhava há décadas, pese embora já todos soubessem que vivia com Ben há muito tempo. O próprio padre responsável por dar a conhecer a nefasta notícia sente-se desconfortável, já que considera George um amigo, mas nada há a fazer: a arquidiocese tomou conhecimento do matrimónio e não será possível tolerar a permanência de um professor homossexual na instituição de ensino. Sem este rendimento, o apartamento no centro de Manhattan onde o casal mora torna-se incomportável, impondo-se um apelo junto dos familiares e amigos mais próximos: ainda que a situação seja temporária, precisam de um tecto que os possa abrigar.
E a mudança de atitude não se faz tardar: no dia da cerimónia, ficamos a saber que Ben e George são tidos como um modelo a seguir, já que a imagem de estabilidade que sempre projectaram os converteu num par particularmente credível; Kate (Marisa Tomei), sobrinha de Ben, não se coíbe de fazer um discurso a elogiar as qualidades que permitiram fazer deste um relacionamento tão duradouro. As felicitações e os brindes sucedem-se e a celebração do amor é feita com pompa e circunstância por parte da família progressista. Quando chega a hora, porém, de “aterrar” no sofá de outrém, a boa-vontade parece desvanecer-se, ainda que de forma subtil. Kate, que tão entusiasticamente dedicou palavras de admiração durante a festa, rapidamente começa a ver o tio como um estorvo: apostada em terminar um romance, vê a sua concentração minada por constantes interrupções. Ben, por seu lado, sente-se a mais naquela casa; o próprio não resiste a desabafar ao telefone com o companheiro, de quem está temporariamente separado: “Por vezes, quando vivemos com algumas pessoas, acabamos por conhecê-las melhor do que gostaríamos.” Ainda por cima, ter de partilhar um beliche com Joey (Charlie Tahan, uma das grandes surpresas deste filme), um adolescente rebelde e nada amistoso, não deixa de ser uma provação.
Na (dura) senda por um apartamento à medida das suas possibilidades, Ben e George refugiam-se na arte. Ben volta a pintar e George retoma as aulas de piano, protagonizando uma das melhores cenas desta longa-metragem: quando escuta a interpretação de uma peça de Chopin por parte de uma aluna, a música intensifica o drama por que está a passar e acaba por ter de virar as costas para esconder as lágrimas. O mundo é um lugar frio sem a presença daquele com que mais nos identificamos, já que, até certo ponto, é o “outro” que nos confere a nossa própria identidade. E, embora haja sempre um cortejo de pessoas por perto, a solidão torna-se avassaladora – sobretudo quando já estamos na casa dos setenta e sentimos que caminhamos para o fim.
Ira Sachs, que realizou e também assinou o argumento de “O Amor é uma Coisa Estranha” – aqui, em parceria com Mauricio Zacharias -, adoptou um estilo elegante, dando a conhecer as personagens de uma forma delicada, nunca esquecendo a importância de sublinhar a complexidade emocional de cada uma delas. Quando o desfecho se aproxima, Lithgow e Molina parecem estar tão confortáveis nos seus papéis que não é difícil apreender tudo o que compõe uma relação de décadas: empatia, sentimento de identificação, intimidade, reconhecimento, aceitação. Por vezes, o amor é uma coisa estranha; ainda assim, é o melhor que temos.
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