Jordan Peele chegou a um momento decisivo na carreira. Depois de dois filmes muito elogiados, em que caiu nas palminhas de toda a gente – mas que o tempo há de lembrar que não são assim tão bons -, era altura de provar se é mesmo o melhor realizador de terror da actualidade (I will just not tolerante any John Carpenter slander!!!), ou se é apenas mais um M. Night Shyamalan – realizador muito acarinhado no início, com uma sequência irrepreensível de filmes, mas que, a partir daí, se limitou a replicar gimmicks. E, se há coisa que Jordan Peele é, é ser um realizador de gimmicks. Nada contra, se por trás houver um filme, claro.
Eis então “Nope“, o sucessor de Nós que, apesar de muito se falar de Carpenter, tem como grande referência… Quentin Tarantino. Contra todas as previsões, Peele fez o seu Era Uma Vez… Em Hollywood, um exercício de cinefilia que faz corta e cola da história da sétima arte, conferindo-lhe uma nova leitura. Só que, enquanto Tarantino o faz por uma questão de justiça poética, Jordan Peele fá-lo numa perspectiva de representatividade, dando visibilidade à América negra, tornada invisível durante décadas pela indústria.
Em “Nope”, Peele recua à origem das imagens em movimento (o zoopraxiscópio de Muybridge é anterior ao cinematógrafo dos irmãos Lumière) para reivindicar um papel fundador no cinema para a comunidade negra. E, mais tarde, há-de atirar-se de cabelo ao Western, essa outra manifestação artística tão norte-americana. O último acto de “Nope” é uma cauboiada com banda-sonora a condizer. E, pelo meio, há ainda a personagem interpretada por Michael Wincott, que é simultaneamente Werner Herzog e todos os auteurs do mundo, assim como uma espécie de filme dentro do filme, uma sitcom dos anos 90 com um macaco.
O espectáculo, tanto a sua perdição como a sua voragem insaciável que tudo abocanha em nome do lucro, é o principal tema de “Nope”. Mas há mais, muito mais. Tanto mais que “Nope” chega a ser uma confusão – para que serve mesmo a história do macaco? Mas é uma confusão adorável, que nunca enfada e que é sempre enjoyable.
Isso acontece porque, vale a pena sublinhar, precisamente pela forma como o filme recupera a sensação de maravilhamento. Aquele mesmo fascínio que fez de Steven Spielberg o grande criador do cinema de massas. Não admira, portanto, que uma das mil e uma referências de “Nope” seja Encontros Imediatos de Terceiro Grau. Numa época de drones, em que 9 em cada 10 filmes de Hollywood têm aqueles planos gratuitos vistos lá de cima, Jordan Peele mete-nos a todos a olhar para cima novamente. Há quanto tempo não víamos um contra-picado no grande ecrã? Sim, é “Nope” quem nos pôs realmente a olhar para o céu e não apenas Para Cima.
“Nope” é um filme sobre uma creature from outer space, que desce dos céus para trazer maravilhamento e destruição. Cá em baixo estão Daniel Kaluuya e Keke Palmer (ela é completamente uma personagem dum filme de Tarantino, com os seus diálogos – monólogos? – em cadência metralhadora), herdeiros de uma quinta que treina cavalos para o cinema. São eles que têm em mãos a demanda de “domar” aquele monstro.
Jordan Peele viaja por outros temas e estilos com grande descontracção, utilizando inclusive referências a animes (olá Akira, olá Evangelion) e, nessa sua fome de glutão, acaba por engolir muita gordura que deveria ter ficado na borda do prato (aquele tipo da TMZ que chega de mota cai do céu por não ter unhas). Ao menos ninguém pode acusar o realizador de falta de paixão. Mas ainda não é com este McChicken que conseguimos concluir se ele é um novo Shyamalan ou não.
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