Antes da competição de longas-metragens arrancar na próxima segunda-feira com “O Profeta”, de Rogers Allers, a primeira grande novidade da 15ª edição da Monstra – Festival de Animação de Lisboa teve lugar ontem à noite. A ante-estreia de “O Rapaz e o Monstro” – “Bakemono no ko” no original – marcou o regresso ao festival do trabalho de Mamoru Hosoda, realizador já distinguido pelos Prémios da Academia Japonesa que, na edição de 2011, teve por cá “Summer Wars”. Figura dos estúdios Toei Animation e Madhouse, a obra de Hosoda está bem posicionada junto de um abrangente público, no rescaldo de grandes marcos da animação nipónica criados durante décadas pelos artistas do agora hibernado Studio Ghibli.
Com a acção centrada entre dois mundos, começamos pela desoladora e cruel colmeia humana, representada pela indiferença do movimentado distrito Shibuya em Tóquio, onde o protagonista – Ren – está em fuga, sem saber o paradeiro do pai e após ser confrontado com a morte da mãe. Desse primeiro momento, com a sensibilidade de um João Salaviza se este tivesse começado a carreira de realizador com “Digimon” (que é o caso de Hosoda), passamos para o mundo fantástico: enquanto Ren escapa aos novos tutores, é aliciado a descobrir uma passagem para Jutengai, uma cidade de “monstros” – a tradução possível de “bakemono” -, pacífica e socialmente organizada.
Na origem dessa descoberta está Kumatetsu, uma das criaturas antropomórficas que habita Jutengai. Este, por sua vez, almeja a conquista do título de Senhor, frente a um rival com mais controlo sobre as suas emoções. Kumatetsu, como Ren, é solitário e contido por natureza. Contrariando a vontade da comunidade, propõe ensinar as virtudes que advêm da aprendizagem de artes marciais ao pequeno – e humano – Ren, para que este possa continuar o legado de bravura do mestre-monstro e ser valorizado (em Jutengai) como jamais seria em Tóquio.
Passamos à evolução convencional, de personagem fragilizado para herói com personalidade forte e destreza física, isto com muito humor na relação de amor-ódio entre Kumatetsu e Ren. Porém, querendo incluir o mundo em duas horas – que infelizmente se fazem sentir pelo ritmo possante do filme -, Hosoda opta por retratar o arco do protagonista ao longo de 10 anos que, chegado à jovem idade adulta, sente o apelo do mundo humano, onde pertence por natureza. Readquire então o gosto pela leitura, que se esquecera no mundo dos monstros e, com a ajuda de uma nova amiga marrona, vítima de bullying, passa a compreender as metáforas de obras como Moby Dick (oportuno no contexto do filme). Capaz de reintegrar o mundo humano e viver uma vida “normal”, que passa por entrar na universidade e reatar os laços com o pai, Ren está divido entre dois mundos cujo destino é, sem surpresas, chocar-se.
“O Rapaz e o Monstro” é uma fábula moderna ao nível do que nos acostumou a animação japonesa, com a sempre bela perspectiva coming of age. A conjugação com o elemento fantástico serve o propósito educativo no plano moral, moral esta que incute, sobretudo, ideais oportunos de camaradagem e coragem e a sua importância para a auto-estima, sem espaço para ambiguidades confusas de adultos – sendo isso que o torna apelativo, tal como o escape que retrata.
A 16ª edição da Monstra – Festival de Animação de Lisboa decorre entre 3 a 13 de Março. Consulte toda a programação no site oficial.
Sem Comentários