Entre risos, o realizador checo Jan Balej revela à plateia que “A Pequena da Peixaria” (em inglês, “Little from the Fish Shop”; no original, “Malá z rybárny”), filme que compete na secção de longas-metragens da Monstra – Festival de Animação de Lisboa, foi um processo exaustivo de longa duração, 6 anos para ser preciso. Se pensarmos bem, a este ritmo, Balej não terá uma carreira prolífera nas longas-metragens, sendo que a primeira, “One Night in the City”, data de 2007 (venceu, inclusive, o prémio do júri da Monstra). Parafraseando, é ele mesmo que o diz: “Espero que nos encontremos numa outra sessão, daqui a 6 anos“.
Nesta trabalhosa animação em stop-motion, Balej opta por dar um toque contemporâneo ao conto “A Pequena Sereia”, de Hans Christian Andersen, cuja imagética, para o bem e para o mal, está associada ao clássico de 1989 dos estúdios Disney. Porém, neste “A Pequena da Peixaria”, há muitas diferenças que o destacam do visual desse colosso de vendas.
Seguimos o fascínio de Little – uma sereia – pela essência do comportamento humano, e isso de ser bípede e calçar sapatos. Entre os murmúrios dos personagens e um narrador checo encantador (Oldrich Kaiser), a acção gira em torno de uma família proibitiva que está na lide constante de uma peixaria. Little vagueia por uma zona portuária, suja e sombria, recheada de personagens bizarras e pouco dadas ao politicamente correcto no que concerne à sua caracterização (quem se guerreia pela erradicação do yellow e black face pode estar a ver o filme certo para justificar a sua luta). É, então, numa espécie de Red Light District, que Little questiona a sua condição de sereia, quase humana apesar da barbatana e escamas, ao apaixonar-se por JJ (nome atribuído apenas nas legendas em inglês, Bogan na narração original), proprietário de um bordel, com gosto por música electrónica ritmada e uns passos de dança com groove autista (na vertente erudita da banda sonora temos Yann Tiersen, na vertente “fruity loops” temos Chapelier Fou). Não esperem menos que um imaginário fértil e cómico, potenciado pelas limitações e desafios inerentes à animação do filme.
Aos que ficaram fascinados pela arte de stop-motion que testemunharam no grande ecrã, há a possibilidade de dar um pulo ao Museu da Marioneta até ao dia 30 de Abril, para ver ao vivo os personagens inanimados de “A Pequena da Peixaria”, com várias actividades interactivas para educar o público sobre o processo de trabalho em torno de um filme tão peculiar.
Numa breve nota sobre cinema de animação checo, resta trazer à memória a figura do saudoso Vasco Granja: como teria sido bom vê-lo ontem entre o público da Monstra.
A 16ª edição da Monstra – Festival de Animação de Lisboa decorre entre 3 a 13 de Março. Consulte toda a programação no site oficial.
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