OS EUA, Hollywood e a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, patrona dos Oscars, passam uma crise indesmentível e profunda. De valores, de alcance moral e ético da sua Arte. Mas, também, de criatividade (com sequelas infindáveis, variações dos clássicos do passado ou verdadeiras cópias pagas de outros conteúdos, com adaptações de filmes e séries de outras nacionalidades, transformadas e simplificadas para consumo interno, nem sempre com os melhores resultados).
A utopia de um filme unificador, capaz de fazer esquecer a falta de investimento numa verdadeira diversidade de oferta de filmes, assim como de premiação e escolha dos mesmos e seus protagonistas para nomeações, problema explosivo aquando da cerimónia dos Oscars de 2016 (com o célebre movimento #OscarsSoWhite a ter repercussões mundiais), vem sendo preparada há uns tempos.
Devidamente contextualizado, o surgimento de um filme tão consensualmente aclamado como “La La Land” não será certamente dispiciendo ou sequer surpreendente. É o verdadeiro “Hail Mary”, como lhe chamam por lá. Resta tentar aferir se está à altura do hype criado em torno de si. Na nossa humilde opinião, não. Longe disso.
Damien Chazelle, o realizador de “La La Land”, surgiu pela primeira vez nos radares de Hollywood com uma curta chamada “Whiplash”, que contava com os préstimos do entretanto oscarizado J.K. Simmons, na pele de Fletcher, um violento e brutal professor de uma escola de jazz, capaz de levar os seus alunos aos limites da tolerância física e psicológica para obter o som que pretendia. A personagem principal era um caloiro dessa mesma escola, amante da bateria, com sonhos de fama e sucesso. A curta, de uma só cena de 18 minutos, foi comparada pela Sony e rapidamente transformada em longa, mantendo Simmons no mesmo papel e recrutando Miles Teller para protagonista, com os resultados que hoje conhecemos.
Mantendo a música e fome de vencer no mundo do espectáculo como essenciais ao enredo, Chazelle enquadra essas temáticas numa Los Angeles romantizada, de fortes impressões cromáticas e optimismo transbordante, centrando a acção num casal – Mia (Emma Stone) e Sebastian (Ryan Gosling) – no difícil caminho para tentar vingar nas suas artes: o cinema e a música, respectivamente.
O primeiro erro é precisamente esse: não existem quaisquer outros personagens dignas de nota em todo o filme, criando assim um vácuo artificial em torno da relação Mia/Sebastian. Uma irmã de Sebastian, que lhe aparece em casa para criticar a desarrumação (chiché), o dono do restaurante onde Sebastian toca (JK Simmons), um grupo de amigas de Mia, e pouco mais do que isto. (Quase) Todos brancos, estereótipos de alguma profissão, grupo social ou grau de parentesco. Poucos com mais do que uma deixa ou duas, sem qualquer profundidade dramática.
O argumento é praticamente inexistente, funcionando como uma colagem de momentos musicais desconexos, sem um fio condutor narrativo ou sequer um condigno enquadramento para as mudanças fácticas ou emocionais das personagens.
Os protagonistas são uma súmula de todos os anteriores personagens de circunstâncias similares no cinema musical (e não só) norte-americano. A actriz aspirante a algo mais do que um emprego temporário, com os sonhos e a ingenuidade características da juventude, somados à incapacidade de ver o que de errado vai repetindo em cada novo casting para que é chamada; o pianista amante de jazz, com um ego gigante e a inflexibilidade típica do mesmo, fechado em si e na sua procura da melodia perfeita. Os dois mundos cruzam-se casualmente e a faísca inevitável acontece. Mas não da forma que se possa imaginar.
Um dos trunfos do filme é a sua sequência final. Espoletada com uma audição decisiva de Mia para um papel com o potencial de mudar a sua vida, é mesmo o melhor e o que de mais criativo encontramos em toda a película. A escrita dá finalmente um ar da sua graça, a montagem e o encadeamento de cenas fica perto da perfeição, a homenagem aos clássicos musicais do cinema é bela e cativante, da chamada Idade Dourada de Hollywood, como “Serenata à Chuva”, “Um Americano em Paris” e “Um Dia em Nova Iorque” (todos com Gene Kelly, como não poderia deixar de ser), ao cinema francês, como “As Donzelas de Rochefort” e “Os Chapéus-de-chuva de Cherburgo”, de Jacques Demy.
A banda sonora é outra das mais-valias desta obra. Um trabalho cuidado e de óptimo gosto de Justin Hurwitz, o mesmo que assinara já os créditos de toda a música de Whiplash e que aqui se faz rodear de uma equipa ganhadora, criando toda a ambiência optimista e revivalista do filme. Entre o jazz e o musical mais tradicional, o ensemble jazz e as cordas luxuosas, coroadas com coros celestes, o equilíbrio encontrado agradará a cinéfilos e à Academia (uma excelente faixa para perceber o tom da mesma é esta).
Nesta área, o Oscar é garantido, com rival apenas na fabulosa banda sonora de Nicholas Britell para “Moonlight”. Em suma, para os fãs do género musical e romântico, a diversão é certa. O escapismo e o sonho são uma constante, ajudados pela excelente fotografia, montagem e realização de Chazelle. Mas será isso o suficiente para fazer de “La la land” um filme consagrado e memorável?
Sem Comentários