“La La Land: Melodia de Amor” (“La La Land” no original) espantou meio mundo com as suas 14 nomeações para os Oscars – categorias mais importantes incluídas -, e está a levar o outro meio para as salas de cinema. Contam-se pelos dedos aqueles que não têm um módico de curiosidade em relação a esta longa-metragem de Damien Chazelle, que já tinha revelado a sua paixão por jazz em “Whiplash”.
Embora tudo se passe na Los Angeles de hoje, o motor que acaba por unir os protagonistas centra-se no passado: Sebastian, um pianista que idolatra músicos como Miles Davis ou Charlie Parker, persegue o sonho de abrir um clube nocturno capaz de resgatar a popularidade do jazz de outros tempos; Mia, uma empregada de balcão aspirante a actriz, vive imersa na magia da época dourada de Hollywood. Contudo, ambos estão a anos-luz dessas duas realidades: face à acumulação de contas por pagar, Sebastian vê-se obrigado a tocar músicas de Natal num bar onde ninguém o ouve, ao passo que Mia atende funcionários da Warner Bros. numa cafetaria enquanto aguarda a próxima chamada para mais um casting. É precisamente durante uma actuação de Sebastian que Mia reconhece o talento do pianista: cansado de temas natalícios, o protagonista não resiste a tocar uma peça com que se identifica, atraindo Mia para dentro do bar.
Na verdade, ela não se limita a escutá-lo; todos os presentes são confinados à escuridão e a câmara centra-se no olhar embasbacado da donzela indefesa, que cede de imediato ao coup de foudre. O mesmo não se pode dizer de Sebastian, cuja actuação acabará por lhe custar o emprego, saindo com a rapidez de uma flecha e um humor de cão. No entanto, não perde pela demora: numa outra noite – ou, melhor dizendo, num fim de tarde -, sucumbe ao charme de Mia, que aproveita a festa onde ambos se encontram para levar a cabo uma pequena “vingança” – desde pedir-lhe para tocar “I Ran” a compará-lo com George Michael, tudo serve para o obrigar a fazer “mea culpa”. As condições estão finalmente reunidas para uma das melhores cenas deste musical: sob um pôr-do-sol em tons pastel e as luzes de L.A. em pano de fundo, Mia e Sebastian conversam, reconhecem no outro o reflexo de si próprios e… dançam. Com a elegância e a destreza dos musicais de outros tempos.
Ao longo de pouco mais de um par de horas, os espantosos números musicais sucedem-se – mérito de Justin Hurwitz, autor das composições, bem como de Benj Pasek e Justin Paul, responsáveis pelas letras -, com especial destaque para a subida às estrelas no Observatório, fazendo lembrar o modo como Fred Astaire desafiou as leis da Física sapateando no tecto em “Royal Wedding”. Nada parece impossível para estes sonhadores da velha escola… até que a realidade se intromete. A necessidade de “crescer” leva Sebastian a aceitar um convite de um antigo colega (John Legend) para integrar uma banda de pop-jazz, obrigando-o a passar meses em tournée, longe de Mia. Será a relação capaz de resistir aos constantes desencontros – e estarão os sonhos definitivamente comprometidos depois de tantos obstáculos?
“La La Land” alcançou a proeza de recuperar a beleza anacrónica de musicais assinados por Vincente Minnelli ou Stanley Donen, e há temas que ficam no ouvido como se Cole Porter ou George Gershwin tivessem regressado à “cidade”. E a cena final, que surpreende e se presta a diferentes interpretações, conquista pelo travo melancólico com que nos deixa. No fundo, estamos perante uma obra sobre todas as histórias que vivemos – até as histórias que podíamos ter vivido. Quando Mia e Sebastian olham fixamente um para o outro, torna-se difícil não recordar Stephen Sondheim, um outro prodígio deste meio: “Um grande plano pode dizer tanto como uma canção”. Corrija-se e acrescente-se: pode dizer mais, mestre, muito mais.
Sem Comentários