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King Hu e o Cinema Wuxia de Taiwan

Por João Vintém · Em 05/03/2023

Durante o mês de Março, a Cinemateca Portuguesa dedica um ciclo a King Hu (1931-1997) e ao Cinema Wuxia de Taiwan. Quem é King Hu e este cinema de género wuxia?

Dito de forma muito simples, são filmes de capa e espada, fantasias históricas onde o herói é normalmente um artista marcial, e King Hu o cineasta que redefiniu a linguagem do cinema de acção – neste caso dos wuxia pian (filmes de artes marciais), aos quais dedicou a sua vida.

King Hu nasceu em Pequim e emigrou para Hong Kong em 1949, onde trabalhou em vários estúdios como director de arte, actor, argumentista e assistente de realização. Grande parte da sua carreira inicial é passada nos estúdios Shaw Brothers, em Hong Kong, até realizar “Come Drink With Me”(1966), com Cheng Pei-pei, grandiosa actriz dos filmes de artes marciais. Pode-se dizer que “Come Drink With Me” está para o wuxia como o “Por um Punhado de Dólares” está para o Spaghetti Western. King Hu trouxe a elegância e a eloquência para os filmes de artes marciais, criou novas mecânicas de acção, temas e motivos que estabeleceram novas regras num género que estava moribundo desde o início da década de 1960, e que revitalizou com “Come Drink With Me”. Mais tarde, depuraria o seu estilo em obras-primas como “Dragon Inn” (1967), “A Touch of Zen”(1971), “The Fate of Lee Khan” (1973), “Raining in the Mountain” (1979) e “Legend of the Mountain” (1979).

Nos seus filmes, os confrontos não são cruéis ou tingidos de sangue, ao contrário do que acontece nas obras de Chang Cheh ou Lau Kar-Leung, dois realizadores contemporâneos de Hu que assinaram alguns dos melhores filmes do género. Nas florestas de bambu, ou dentro de uma estalagem, Hu encena autênticos bailados épicos, coreografados na tradição da Ópera de Pequim, que desafiam as leis da gravidade e onde cada gesto tem a sua importância.

Este Ciclo inicia-se com “Dragon Inn”, o primeiro filme realizado pelo mestre em Taiwan, depois da sua saída da Shaw Brothers.

“A história é situada no século XV. O eunuco real consegue eliminar o seu principal rival e decide também matar os filhos deste, que estão numa viagem de fuga e se refugiaram numa taberna. Mas as crianças têm protectores secretos, que intervém para salvá-las, entre os quais uma mulher, que é uma das primeiras guerreiras a surgir no cinema de artes marciais”.

A guerreira mencionada na sinopse da Cinemateca Portuguesa é a actriz Lingfeng Shangguan, que interpreta uma das primeiras artistas marciais a surgir no cinema do género e, assim como Chang Pei-pei no filme anterior, também Lingfeng Shangguan quebrou a tradicional imagem dos papéis femininos através do guarda-roupa unissexo e a grande habilidade para as artes marciais. Quanto a King Hu, filmar em Taiwan deu-lhe mais liberdade que o sistema de estúdio e pôde tirar proveito das admiráveis paisagens naturais, assim como a possibilidade de construir cenários no exterior.

A tensão construída por King Hu dentro do cenário da estalagem é demasiado grande para ser contida dentro das quatro paredes e, o final, no exterior, é talvez um dos mais épicos e influentes finais do cinema de acção. Se isso não bastasse, “Dragon Inn” foi um sucesso de bilheteira que permitiu a Hu filmar com mais liberdade alguns dos seus projectos pessoais. Já durante a década de 1990, Tsui Hark homenageou o mestre e produziu um remake sob o nome de “New Dragon Gate Inn”, com Brigitte Lin e Maggie Cheung a encabeçar o elenco que, apesar de ter pouco em comum com o estilo de Hu, teve um papel importante na nova vaga de wuxias que surgiu em Hong Kong.

Quatro anos depois de “Dragon Inn” chegou “A Touch of Zen”, a sua obra máxima e certamente a mais ambiciosa. Usando a analogia anterior, por muito injusta que possa ser para King Hu e Sergio Leone, se “Come Drink With Me” está para os wuxias como um “Por Um Punhado de Dólares” está para os Spaghetti Western, então “A Touch of Zen” é o “Aconteceu no Oeste”.

Pegando novamente nas palavras da Cinemateca Portuguesa, é “a obra-prima absoluta de King Hu, pela perfeição da mise en scène na qual se encaixa uma história de vingança e perseguição, levada até ao fim com um refinamento cinematográfico excecional. Baseado num clássico da literatura chinesa, uma colecção de histórias de fantasmas, trata-se de um filme de atmosfera por excelência: um pintor apaixona-se por uma jovem que vive numa fortaleza-fantasma e que é ela própria um espectro“.

Hu começou a trabalhar neste filme em 1967, após o triunfo de “Dragon Inn”, e o primeiro ano de produção foi dedicado à construção de um cenário que teria tempo de envelhecer naturalmente até à rodagem. Este é um exemplo da dedicação do cineasta à sua arte que, em 1975, foi reconhecido com o Prémio de Contribuição Artística em Cannes.

Inicialmente o filme estreou numa versão de duas partes e, quando o plano de o dividir em dois falhou, foi montada e exibida uma versão de duas horas que não correspondeu às expectativas, muito menos do realizador. Já com financiamento da sua própria produtora reconstruiu a montagem original, e o filme foi exibido na sua versão integral no Festival de Cannes em 1975. Um épico espiritual de artes marciais, percursor de filmes como “O Tigre e O Dragão”(2000), que deve ser visto no grande ecrã na sua versão digital restaurada, executada pelo Taiwan Film and Audiovisual Institute.

O ciclo da Cinemateca segue com “Raining in the Mountain”, um filme que se pauta pelo movimento e não tanto pelos combates corpo a corpo ou o brandir das espadas. A narrativa desenvolve-se através das correrias dentro de um mosteiro Budista no Séc. XVI, num jogo de disfarces para tentar roubar um pergaminho enquanto decorrem as cerimónias para escolher um novo sacerdote-mor.

Os jogos de poder e os conflitos narrativos jogam-se essencialmente pelo meio de perseguições, olhares e sons, num filme onde King Hu também assina a direcção de arte.

O elenco deste verdadeiro jogo do gato e do rato é encabeçado por Hsu Feng, actriz recorrente no universo do realizador e uma das principais responsáveis pelo financiamento do restauro das cópias.

Hsu Feng integra também o elenco de “Legend of The Mountain”, história de amor entre um humano e um fantasma baseada num conto tradicional da Dinastia Song, uma esplêndida fantasia de terror, género até então desconhecido para o realizador.

Visuais espectaculares de encher o olho e motivos budistas inundam o ecrã, num filme onde pretendeu captar “a natureza intrínseca da beleza e da vida que os Chineses, há milénios, vislumbram nas paisagens naturais bem como nas relações humanas – incluindo entre os mortos e os vivos”.

São quatro as longas-metragens de King Hu que a Cinemateca Portuguesa exibe durante este mês, além de dois episódios de obras colectivas em que ele participou ( “The Wheel of Life” e “Four Moods”), e ainda cinco filmes de cineastas que pertencem à mesma geração, onde se destacam Joseph Kuo com “The Swordsman of all Swordsmen” e Shan-Hsi Ting com “The Ghost Hill”.

Propostas que complementam os filmes do mestre e que podem ser uma boa opção para aqueles que pretendam apenas um simples e divertido filme de artes marciais porque, na verdade, “este é ao mesmo tempo um Ciclo de autor e de género”.

King Hu chegou à Cinemateca. Celebremos o rei.

Horários:

Dragon Inn

01 Março // 19h00

03 Março // 19h30

A Touch of Zen

04 Março // 21h00

07 Março // 15h30

Raining in the Mountain

02 Março // 19h30

06 Março // 19h30

Legend of the Mountain

06 Março // 21h00

08 Março // 15h00

The Wheel of Life

2 Março // 21h30

10 Março // 15h30

Four Moods

4 Março // 18h30

7 Março // 21h00

Vengeance of the Phoenix Sisters

9 Março // 19h

13 Março // 15h30

A City Called Dragon

9 Março // 19h30

14 Março // 15h30

The Swordsmen of All Swordsman

10 Março // 19h00

14 Março // 15h30

The Bravest Revenge

11 Março // 21h30

15 Março // 19h00

The Ghost Hill

13 Março // 19h00

16 Março // 15h30

João Vintém

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