A secção Director’s Cut, dedicada a filmes sobre o cinema, volta este ano com tesouros há pouco recuperados e filmes que agora retrabalham o património cinematográfico. O IndieLisboa regressa às salas habituais, este ano de 27 de Abril a 7 de Maio de 2023.
Em grande destaque nas longas metragens secção Director’s Cut encontra-se “A Rainha Diaba“, versão restaurada do filme de António Carlos da Fontoura, de 1974, exibida no Forum Special da Berlinale este ano. Com actuação impecável do actor Milton Gonçalves, que interpreta a Diaba, personagem queer que controla uma rede de narcotráfico na favela. Diaba, ao saber que um de seus homens está prestes a ser preso, resolve “fabricar” um novo bandido para enganar a polícia.
“Ragtag” (2022), de Giuseppe Boccassini, outro título a ser destacado, consiste numa colagem cronológica baseada num amplo corpus de filmagens tiradas da chamada era clássica do cinema americano que, nos anos 50, après la lettre, os críticos franceses rotularam de film noir. O trabalho baseado em decoupage cobre cerca de vinte anos, ou 310 filmes noir, desde o início da década de 1940 até ao final dos anos 50. Inclui também alguns noir de filmes de fabrico estrangeiro.
Há espaço também para um documentário de arquivo sobre um festival de cinema mítico e esquecido que teve lugar em Hyères entre 1965 e 1983. “Jeune Cinema” (2022), de Yves-Marie Mahé, leva-nos numa viagem para o festival que era, na altura, o mais importante em França logo após o Festival de Cinema de Cannes e um local amigável a descobrir jovens realizadores como Philippe Garrel, Akerman, Helma Sanders, Schroeter ou Carax antes de se tornarem uma lenda para os amadores de filmes de arte.
Para além das longas metragens, há uma seleção de cinco curtas metragens, dentre elas, “As Pioneiras do Cinema em Língua Portuguesa” (2022), trabalho mais recente da realizadora portuguesa Luísa Sequeira.
Lista de filmes:
Longas metragens
L’Éden de La Ciotat, Alain Bergala , doc., França, 2022, 53′
Filme Particular, Janaína Nagata, doc., Brasil, 2022, 90′
Jeune Cinéma, Yves-Marie Mahé, doc., França, 2022, 74′
Prejudice & Pride – Swedish Film Queer, Eva Beling, doc., Suécia, 2022, 100′
Ragtag, Giuseppe Boccassini, doc./exp., Itália/Alemanha/França, 2022, 84′
A Rainha Diaba, António Carlos da Fontoura, fic., Brasil, 1974, 99′
Curtas metragens
Damned Queers, Olle Holm, doc., Suécia, 1977, 21′
The Film You Are About To See, Maxime Martinot, doc., França, 2023, 11′
GeoMarkr, Chloé Galibert Lainê, doc./exp., França, 2022, 22′
As Pioneiras do Cinema em Língua Portuguesa, Luísa Sequeira, doc., Portugal, 2023, 15′
Staging Death, Jan Soldat, doc./exp., Áustria, 2022, 8′
Jan Švankmajer – Para habitar o lugar da imaginação
A retrospectiva da 20.ª edição do IndieLisboa leva-nos até à antiga Checoslováquia: um dos mais interessantes e indispensáveis realizadores vivos, Jan Švankmajer, é o mestre debaixo do holofote de 2023, cuja obra irá poder ser vista na Cinemateca Portuguesa, na sua já habitual parceria de programação com o festival.
Entre a repulsa e o fascínio, os filmes do artista visual tornado cineasta, que deu os seus primeiros passos no teatro com o Lanterna Mágica, são reflexo de um mundo subconsciente, onde a matéria ganha uma nova forma encantada. Em 1964, produziu a sua primeira curta-metragem, “The Last Trick”, que coloca actores a fazer de marionetas, abrindo as portas para uma outra dimensão onde o real dá lugar à ilusão. Hoje, o seu corpo de trabalho conta com mais de trinta filmes estilisticamente inesquecíveis pela sua riqueza e diversidade: combinam actores e animação, desenho, barro, colagem e fantoches, em obras subversivas que misturam o humor negro no sinistro. O ritmo de montagem dos seus filmes é essencial às suas criações episódicas, cujas temáticas falam-nos de comida, mas também de decomposição, levando-nos com frequência à memória da infância e ao mundo dos sonhos.
Internacionalmente reconhecido pelas suas animações, em particular pelo uso da técnica de stop motion, mais do que manipular objectos comuns, que existem presos à banalidade da sua existência, o cineasta devolve-lhes vida, pondo a descoberto as suas naturezas escondidas e revelando todos os seus segredos, tal como em “Meat Love” (1989), onde dois pedaços de carne se apaixonam um pelo outro antes de acabarem numa frigideira. O universo surrealista de Švankmajer, do qual também fazem parte “Alice” (1987) e “Faust” (1994), duas adaptações premiadas nos festivais de Berlim e Cannes, respectivamente, transforma-o num artista singular, capaz de transformar o mundo, usando magia para decifrar os seus mistérios.
Em 2022, Jan Švankmajer anunciou a sua retirada do cinema, e “Kunstkamera” (2022) será o seu último filme. Este ciclo é uma oportunidade perfeita para descobrir o artista que influenciou realizadores tão idiossincráticos como Terry Gilliam e Tim Burton. O ciclo, a que chamamos, Jan Švankmajer, O Surrealista, abre com “Conspirators of Pleasure” (1996), uma comédia negra e grotesca sobre um grupo de hedonistas que mistura animação e live-action. Jaromír Kallista, habitual produtor e colaborador de Švankmajer, vai estar em Lisboa para uma conferência na Cinemateca. O calendário das sessões será divulgado em breve.
Lista de filmes
Longas metragens:
Alice, Jan Švankmajer, 1987, 84′
Faust, Jan Švankmajer, 1994, 90′
Conspirators of Pleasure, Jan Švankmajer, 1996, 75′
Little Otik, Jan Švankmajer, 2000, 127′
Lunacy, Jan Švankmajer, 2005, 118′
Surviving Life, Jan Švankmajer, 2010, 105′
Insects, Jan Švankmajer, 2018, 98′
Athanor: The Alchemical Furnace, Adam Ol’ha/Jan Daňhel, doc., 2020, 117′
Kunstkamera, Jan Švankmajer, 2022, 51′
Curtas metragens:
The Last Trick, Jan Švankmajer, 1964, 10′
Johann Sebastian Bach: Fantasy in G minor, Jan Švankmajer, 1965, 8′
A Game with Stones, Jan Švankmajer, 1965, 8′
Punch and Judy, Jan Švankmajer, 1966, 10′
Et Cetera, Jan Švankmajer, 1966, 8′
Historia Naturae (Suita), Jan Švankmajer, 1967, 10′
The Garden, Jan Švankmajer, 1968, 19′
The Flat, Jan Švankmajer, 1968, 13′
Picnic with Weissmann, Jan Švankmajer, 1969, 13′
A Quiet Week in the House, Jan Švankmajer, 1969, 13′
Don Juan, Jan Švankmajer, 1970, 30′
The Ossuary, Jan Švankmajer, 1970, 10′
Jabberwocky, Jan Švankmajer, 1971, 12′
Leonardo’s Diary, Jan Švankmajer, 1972, 10′
Castle of Otranto, Jan Švankmajer, 1973, 17′
The Fall of the House of Usher, Jan Švankmajer, 1980, 15′
Dimensions of Dialogue, Jan Švankmajer, 1982, 11′
Down to the Cellar, Jan Švankmajer, 1982, 14′
The Pendulum, the Pit and Hope, Jan Švankmajer, 1983, 15′
Virile Games, Jan Švankmajer, 1988, 15′
Hugh Cornwell: Another Kind of Love, Jan Švankmajer, 1988, 4′
Meat Love, Jan Švankmajer, 1989, 1′
Darkness/Light/Darkness, Jan Švankmajer, 1989, 10′
Flora, Jan Švankmajer, 1989, 20″
The Death of Stalinism in Bohemia, Jan Švankmajer, 1990, 10′
The Food, Jan Švankmajer, 1992, 17′
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