O IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema está de regresso, para uma edição – a 20ª – que irá decorrer de 27 de Abril a 7 de Maio. Com 314 filmes na ementa, é tempo de descobrir novos espaços como o Cinema Fernando Lopes e a Piscina da Penha de França, desfrutar de uma sessão de cinema dentro de água ou, quem sabe, arriscar um IndieDate. Fica tudo o que há a saber sobre a programação, já fechada, e um olhar mais atento sobre os filmes a concurso, a secção Silveste, a sempre bizarra Boca do Inferno ou aquilo que o IndieJúnior preparou para os mais novos.
Programação completa e outras novidades
Nas novidades, começamos pela Competição Nacional, que regressa com 6 longas metragens, 3 médias metragens e 16 curtas metragens, com vários regressos ao festival e um punhado de estreantes. Em “Astrakan 79”, de Catarina Mourão, um homem de meia idade recorda a sua estadia de um ano e meio na União Soviética, em 1979, enviado pelos seus pais, militantes do Partido Comunista. Pelo caminho tornou-se clandestino e deixou para trás uma grande paixão, os estudos e os ideais.
Depois de ter vencido o prémio Melhor Longa-Metragem Portuguesa no IndieLisboa 2021 com “No Táxi do Jack”, Susana Nobre regressa ao festival com “Cidade Rabat”, uma comédia melancólica sobre Helena que, aos quarenta anos, se sente presa entre as responsabilidades familiares e a burocracia do seu trabalho enquanto produtora de cinema. Quando a sua mãe morre, Helena apercebe-se tristemente que se encontra a meio caminho entre o começo e o fim da vida, e isso desperta em si uma nova juventude.
“Índia”, a estreia de Telmo Churro nas longas-metragens, foca-se na relação entre três gerações de homens (Tiago e o seu pai, Raul, e o seu filho, Manuel) e Karen, uma melancólica turista brasileira que escreve cartas para o seu falecido marido. Juntos seguem numa jornada entre sonhos, glórias perdidas e catástrofes, ao encontro de um desgraçado herói desaparecido há muitos séculos numa ilha do Atlântico Sul.
O mito de que ‘Portugal não é um país racista’ é explorado por Marta Pessoa em “Rosinha e Outros Bichos do Mato”. Em 1934, uma exposição colonial trouxe aos jardins do Palácio de Cristal, no Porto, a recriação das aldeias indígenas e “exemplares” dos povos que as habitavam. Rosinha veio com ela da Guiné e está presente em vários filmes e imagens oficiais. Mas quem é Rosinha? Ao longo deste documentário, a história da propaganda fascista portuguesa surge como um tenebroso espelho para onde nos custa olhar.
“A Primeira Idade”, de Alexander David, passa-se numa ilha isolada, onde vive uma comunidade autónoma de crianças. Guiadas pelos mais velhos entre eles, funcionam como uma comunidade agrária com regras e crenças rigorosas. Os adultos são banidos para os bosques circundantes e, todos os anos, é feita uma cerimónia para o membro mais velho da aldeia – um ritual que acreditam conferir a juventude eterna ao escolhido.
A última longa da competição nacional é o díptico “Mal Viver | Viver Mal”, de João Canijo. Acabado de chegar do brilharete da Berlinale, Mal Viver acompanha a família que gere um hotel decadente na costa norte de Portugal. A relação entre estas mulheres só piora com a chegada da neta, que traz ao de cima anos de ressentimentos em lume brando. Viver Mal foca-se nos hóspedes do hotel ao longo de um fim de semana – responsabilidades, traições e enganos. Três famílias vivem melodramas sob a lupa de Canijo.
Destacamos ainda “Dildotectónica”, de Tomás Paula Marques, sobre a criação de uma colecção de dildos de cerâmica que não seja fálica. André Gil Mata regressa ao Indie com “Pátio do Carrasco”, adaptação do conto de Franz Kafka Um Fratricida, sobre dois irmãos e os limites do amor fraterno. Em “Carmen Troubles”, Vasco Araújo desconstrói o estereótipo da mulher cigana representada na ópera Carmen, de George Bizet. Os gémeos Afonso e Bernardo Rapazote estreiam mundialmente “A Febre de Maria João”, drama passado no século XIX, vivido num único espaço de representação, cheio de segredos que o filme desvenda habilmente.
Nas Sessões Especiais, onde se incluem os filmes de abertura e encerramento, destaque para “Orlando, Ma Biographie Politique”, de Paul B. Preciado, filme-sensação do último Festival de Berlim. A partir do clássico de Virginia Woolf, o escritor tornado realizador convocou um casting com 25 pessoas diferentes, todas trans e não binárias, dos 8 aos 70 anos, para interpretarem Orlando, enquanto narram as suas próprias vidas e ao mesmo tempo questionam: “Quem são os Orlandos contemporâneos?”.
Impossível não mencionar “Primeira Obra”, de Rui Simões, veterano documentarista que conseguiu apoios para uma estreia na ficção após 40 anos de tentativas. Rui Simões, realizador e produtor, tem um longo percurso no documentário, em vários formatos, onde se destacam “Deus, Pátria, Autoridade” (1975), “Bom povo português” (1980) ou “Ruas da amargura” (2008).
Ainda nas sessões especiais, “1976”, a estreia de Manuela Martelli na realização, é um óptimo exemplo de film noir chileno, que tenta desmontar as sequelas da ditadura fascista. O filme explora, de forma tensa, como a classe média chilena lidou com a tomada do poder de Pinochet através da perspectiva duma mulher.
Nas Curtas, “Où en êtes-vous, Tsai Ming-Liang?” é uma encomenda do Centre Pompidou ao realizador de Taiwan, que se junta à lista de ilustres autores convidados anteriormente, como Teresa Villaverde, João Pedro Rodrigues ou Jean-Marie Straub.
Regressa também o Novíssimos, a secção competitiva composta por um conjunto de filmes de jovens cineastas que estão a dar os seus primeiros passos no cinema. São 18 curtas-metragens, algumas realizadas em contexto escolar, outras feitas independentemente de qualquer apoio. Este ano, a secção tem um novo prémio MUTIM – Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, numa programação com muitos filmes íntimos e pessoais, como “Memórias de Pau-Preto e Marfim”, de Inês Costa, que mistura a animação e arquivos pessoais para trabalhar o passado colonial português, ou “Os Tempos Conturbados”, focado nos primeiros momentos de independência angolana. A procura de memórias familiares num envelope de fotografias antigas é o ponto de partida de “Na Minha Vida”, de José Lobo Antunes. “Mátria”, de Catarina Gonçalves, é uma homenagem a Natália Correia, num filme onde realidade e ficção se cosem com a sua poesia.
O programa 5L deste ano chama-se Cinema-Cidade e resulta da já habitual parceria entre o IndieLisboa e o Lisboa 5L, o festival de literatura e língua portuguesa promovido pela Câmara Municipal de Lisboa. Dedicado este ano ao tema Centro e Fugas, o Lisboa 5L celebra a faceta multicultural da vida da cidade através de um programa que põe em evidência ligações e rupturas entre centro urbano e periferia. Com o ciclo Cinema-Cidade, faz-se um convite ao público para que acompanhe o trabalho de cineastas que, em variados registos, formatos e linguagens, se avizinharam tematicamente da orla suburbana de diferentes cidades. Estes são filmes que trabalham o urbanismo social e o desenraizamento, a tensão e a cumplicidade, a violência e a integração, a aculturação e a afirmação identitária de quem se naturalizou nas margens da cidade e daí partiu para se instalar no centro do multiculturalismo.
No total são 3 longas e 4 curtas – “O Fim do Mundo”, de Basil da Cunha, vencedor do Prémio de Melhor Longa-metragem Portuguesa no festival IndieLisboa de 2020; “La Haine”, clássico do cinema francês sobre abusos policiais nos bairros pobres de Paris; “Outros Bairros”, um documentário sobre os adolescentes de origem africana nascidos em Portugal. Nas curtas, seleccionamos dois documentários – “No’i”, de Aline Magrez, e “Villeneuve”, de Agathe Poche – e uma animação, “Fest”, de Nikita Diakur. A única ficção é “Mistida”, de Falcão Nhaga, que estreou na edição de 2022 do IndieLisboa.
Sete festivais europeus de sete países diferentes uniram forças para criar o Smart7, com o objectivo de fomentar a circulação transnacional de títulos europeus. A rede é composta pelos seguintes festivais de cinema: Festival Internacional de Cinema New Horizons (Polónia), IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema (Portugal), Thessaloniki International Film Festival (Grécia), Festival Internacional de Cinema da Transilvânia (Roménia), Festival Internacional de Cinema FILMADRID (Espanha), Festival Internacional de Cinema de Reykjavik (Islândia) e Festival Internacional de Cinema de Vilnius Kino Pavasaris (Lituânia). Todos eles incorporaram o programa desenvolvido e trabalharam em estreita colaboração, respeitando a sua própria identidade e critérios de programação.
A lista de filmes em competição é a seguinte: “Black Stone”, de Spiros Jacovides (Grécia); “Bread and Salt”, de Damian Kocur; “Índia”, de Telmo Churro (Portugal); “Mammalia”, de Sebastian Mihailescu (Roménia); “Mannvirki”, de Gústav Geir Bollason (Islândia); “Remember to Blink”, de Austėja Urbaitė (Lituânia) e “Secaderos de Rocío Mesa” (Espanha). No Thessaloniki International Film Festival, o último festival do ano, o prémio da competição é atribuído por um júri constituído por um estudante de cada país dos festivais que compõem o Smart7.
No IndieMusic, o grande destaque passa pelo convite estendido a Sam The Kid. Cinéfilo convicto, escolheu algumas longas-metragens para um ciclo que comemora os 50 anos de vida que cultura hip hop alcança em 2023, como é o caso de “Scratch, Beats, Rhymes and Life – The Travels of A Tribe Called Quest“ ou “CB4”, filmes representativos da cultura hip-hop.
Silvestre – A liberdade estética e a intransigência política
Tal como noutros segmentos do festival, esta selecção recupera autores como Alice Diop, Verena Paravel, Lucien Castaing-Taylor, Hong Sang-soo, Lawrence Abu Hamdan, ou o colectivo Total Refusal, e ainda estreia muitos outros. O alinhamento mistura ficção, documentário, cinema experimental e animação, junta nomes consagrados com talentos de gerações mais jovens, apresenta filmes que se aproximam tematicamente e dialogam entre si. No total são 16 longas e 22 curtas, com abordagens e estéticas diversas, mas semelhantes na forma como usam o cinema enquanto ferramenta de questionamento social e inerentemente política.
Começamos pelos destaques nos filmes em competição. “Saint Omer,” primeira obra narrativa de Alice Diop, que tem reunido prémios e distinções um pouco por todo o mundo depois da sua estreia no último Festival de Veneza, é um filme poderoso sobre o julgamento de Laurence Coly, uma mulher acusada de matar a sua filha de 15 meses, abandonando-a à maré crescente numa praia no norte de França. Rama, uma jovem escritora, assiste ao processo, mas à medida que o julgamento continua, as palavras dos testemunhos dos acusados e testemunhas abalarão as suas convicções e deixarão em causa o nosso próprio julgamento.
“Here”, de Bas Devos, explora uma possível história de amor entre um trabalhador da construção romeno e uma jovem belga-chinesa, a preparar um doutoramento sobre musgo. O realizador belga – mais um regresso ao festival – continua a filmar o invisível e o não dito como ninguém, num filme belíssimo sobre a forma como duas pessoas muito diferentes conseguem encontrar e partilhar terrenos comuns.
Dez anos depois de vencerem o Grande Prémio de Longa Metragem do IndieLisboa com “Leviathan”, a dupla Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel trabalha a qualidade onírica do corpo humano em “De Humani Corporis Fabrica”. Algures entre o documentário abstracto e o body-horror, o filme consiste em footage gravada em oito hospitais franceses – cirurgias, cortes, explorações e outros procedimentos desconcertantes. A fotografia da dupla, com os seus já tradicionais planos diagonais e zooms extremos, contribuem para que este seja um filme imersivo em todos os sentidos.
Num registo mais relaxado, “Tenéis que Venir a Verla”, de Jonás Trueba, acompanha as agruras melancólicas de dois casais amigos que se reencontram. Apesar de aparentemente estar tudo bem, ânsias existenciais vão permear as conversas e pequenas brincadeiras dos quatro. Um filme dividido em duas partes, Primavera e Inverno, com o potencial de parecer terno para algumas pessoas e irónico para outras. Ambas as leituras são verdadeiras.
Ainda em espanhol mas agora na Argentina, “Luminum”, de Maximiliano Schonfeld, trabalha a relação entre Sílvia e Andrea, duas ufologistas de renome, que por acaso também são mãe e filha. Juntas lideram uma equipa de investigação sobre OVNI’s e permanecem de guarda perseguindo as luzes sobre o rio Paraná. Este documentário explora a ciência e a ficção através de duas personagens ligadas pela emoção mais humana: a amizade.
Um cineasta prolífico, com uma média de várias longas-metragens ao ano, e com uma obra circular e meta-referencial muito peculiar, Hong Sang-soo joga com as expectativas dos seus seguidores com um filme íntimo e poético, no qual cada imagem foi cuidadosamente trabalhada, como uma pintura impressionista. Ou o realizador coreano decidiu brincar com as pessoas que o acusam de fazer constantemente o mesmo filme…e achou boa ideia desfocar a sua câmara. Seja qual for o caso, “In Water” é um dos grandes títulos Fora de Competição da Silvestre para 2023.
A câmara de Claire Simon observa uma clínica de ginecologia em Paris, recolhendo cenas de nascimentos, diagnósticos de cancro, consultas sobre endometriose e terapia hormonal para uma mulher trans. “Notre Corps” começa por ser observacional antes de se tornar cada vez mais pessoal, um filme sobre o que significa viver num corpo feminino e um exemplo maravilhoso do poder do cinema documental.
Joanna Hogg também regressa ao festival com “The Eternal Daughter”, um dos filmes mais aclamados pela crítica do ano passado. Uma mulher de meia idade e a sua mãe são forçadas a confrontar segredos antigos quando regressam à antiga casa de família, num raro exercício de género para uma realizadora reconhecida pelos seus dramas minimalistas. Com Tilda Swinton em dose dupla.
Nas curtas, é impossível não falar de “Incident”, de Bill Morrison, nome maior do cinema experimental norte-americano das últimas décadas. O filme reconstrói um tiroteio policial e as suas consequências imediatas, montado a partir da recolha de arquivos, body-cameras, filmagens de vigilância e uma variedade de origens. “A History Of The World According To Getty Images”, filme-protesto de Richard Misek, denuncia os métodos dos grandes grupos económicos digitais. Ainda online, mas com um foco diferente, “Hardly Working”, do colectivo “pseudo-marxista” Total Refusal, trabalha as NPCs, non-playable characters, ou personagens não jogáveis, numa exploração das suas vidas diárias enquanto extras digitais de videojogos contemporâneos, de onde não conseguem escapar a não ser quando o algoritmo tem um glitch. Parece familiar? “45th Parallel”, de Lawrence Abu Hamdan, analisa as contradições das fronteiras e as leis que governam o espaço da Biblioteca e Ópera de Haskell, um edifício municipal construído em 1904 que atravessa a fronteira entre os EUA e o Canadá. Este local peculiar torna-se o palco de um monólogo de investigação sobre o tiroteio de 2010 de um mexicano desarmado de 15 anos por um agente da Patrulha de Fronteiras dos EUA e os assassinatos remotos via drone no Afeganistão, Iémen, e Paquistão.
Filmes de Encerramento & Abertura + Foco Silvestre + ESFN
A abertura desta edição do IndieLisboa recupera o mood do cinema indie norte-americano num filme sobre uma personagem trans em que o enredo está mais focado em relações humanas e familiares com as quais todos se podem identificar e menos nas habituais questões traumáticas em torno da identidade. “Something You Said Last Night” é uma estreia muito segura da realizadora e guionista Luis De Filippis, uma obra sobre emoções universais – amor, vergonha e resiliência. Um filme belíssimo e corajoso, perfeito para abrir o apetite para as nossas escolhas para os 20 anos do festival.
Tal como na abertura, o encerramento, com “The Adults”, novo filme de Dustin Guy Defa, situa-se no terreno entre o drama e a comédia que o cinema independente americano tanto soube explorar nas últimas décadas. Protagonizado por Michael Cera, este é um inusitado representante recente do mumblecore, ou não fosse realizado por um colaborador habitual de Joe Swanberg e Andrew Bujalski. Aqui, o drama familiar é sobre três irmãos amuados, desiludidos com o idealismo da juventude e o cinismo da vida adulta. Um filme despretensioso e charmoso, para nos despedirmos em grande desta edição do festival.
Este ano, o Foco Silvestre é sobre O Trabalho e o Movimento Sindical, na antecipação das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril e em linha com a temática definida pela Comissão Comemorativa. Quatro eixos de programação foram trabalhados por diferentes equipas de programadores do festival. Estes 4 eixos – O Trabalho Digno, As Fábricas e os Trabalhadores em Movimento, Ferramentas de Trabalho e Profissão: Trabalho – deram lugar a 4 sessões de curtas metragens, e um convite, em que se evoca a forma como os temas do trabalho e do movimento sindical têm estado presentes no cinema, onde se privilegiou uma abordagem livre, não dogmática, que constitui uma proposta de programação dentro de múltiplas possibilidades que estes temas permitiriam.
Convidamos ainda o projecto FILMar, operacionalizado pela Cinemateca Portuguesa, a idealizar em conjunto um subprograma dentro do foco. Revoltas, Trabalho e Mão-de-Obra explora o contexto português ligado ao mar, através de um olhar sobre o trabalho neste contexto, sobre as condições de trabalho nas fábricas ou na pesca, ou mesmo as revoltas pré-revolução muito ligadas a movimentos de trabalhadores em luta por melhores condições sociais, económicas e políticas.
O Foco Silvestre deste ano reúne filmes de autores como António Campos, Manoel de Oliveira, Harun Farocki ou Ben Russell.
Ainda nas curtas, mas num outro contexto, está cá fora o programa do European Short Film Network (ESFN), a que o IndieLisboa se juntou este ano. O ESFN foi fundado em 2018 para apoiar e promover as curtas-metragens europeias, seguindo uma visão colaborativa para reforçar o panorama cinematográfico e festivo europeu. A rede desenvolveu programas de filmes a serem apresentados presencialmente ao longo deste ano, nos restantes cinco festivais membros – Internationale Kurzfilmtage Oberhausen (Alemanha), Go Short Festival in Nijmegen (Países Baixos), Short Waves Festival Poznan (Polónia), Vienna Shorts (Áustria) e Uppsala Kortfilmfestival (Suécia). O foco será nos formatos analógicos, com dois programas de cinema da Friedl Kubelka School for Independent Film, em Viena. Com curadoria do realizador Philipp Fleischmann, que dirige o departamento de cinema da escola, o ciclo Analog Imagination viajará pela Europa entre Abril e Novembro. No festival, o programa vai ser exibido na Cinemateca em película. Durante 17 anos, a escola tem vindo a promover a prática artística dos cineastas e a oferecer o intercâmbio com aclamados artistas cinematográficos, dando assim forma a toda uma geração de cineastas analógicos. Realizados e exibidos em filmes Super-8, 16-mm e 35-mm, estes trabalhos mostram um cinema de expressão profundamente pessoal e formalmente independente.
Os talentos emergentes e os filmes inusitados em competição
Ano após ano, a Competição Internacional é uma das secções mais aguardadas do festival e esta edição não é diferente. É uma das secções que reúne trabalhos de novos e promissores realizadores, assim como autores que o festival acompanha desde sempre, como Lois Patiño e Lola Quivoron. Uma seleção fortíssima para a celebração dos 20 anos do IndieLisboa, com 12 longas e 29 curtas de geografias e estéticas distintas. Estes são alguns dos destaques da programação.
A estreia nacional de “After”, de Anthony Lapia, é um dos grandes eventos deste ano. O filme acompanha as interacções numa rave – a dança, as conversas, as drogas – e a forma como é celebrado um novo mundo temporário. Com um realismo que nos transporta da noite para o dia, o filme capta na perfeição a energia e a suspensão de realidade das melhores raves até ao primeiro encontro entre dois amantes.
“Rodeo”, de Lola Quivoron, também se centra em pequenos grupos à margem da sociedade. No filme de estreia da jovem realizadora, a protagonista, Júlia encontra o seu escape na paixão por motos e pelo mundo dos rodeos urbanos – agrupamentos ilícitos onde os condutores exibem as suas motos e as suas mais recentes acrobacias. Julia vê-se atraída por um grupo clandestino e volátil, esforçando-se por provar o seu valor para o grupo ultra-masculino.
O realizador galego Lois Patiño regressa ao festival com a sua nova longa, “Samsara”. Todos os dias um adolescente budista lê passagens do Livro Tibetano dos Mortos a uma idosa. No seu último dia, o jovem sussurra as passagens finais ao ouvido da mulher, fecha os olhos e metida ao seu lado, enquanto embarca numa viagem para o que está mais além. Um filme onírico que nos convida para uma trip audiovisual e uma experiência potente na sala de cinema.
Outro regresso – Ali Cherri, com a sua primeira longa, “Le Barrage”. No Sudão, Maher trabalha numa fábrica de tijolos tradicional, alimentada pelas águas do Nilo. Todas as noites, ele vagueia secretamente pelo deserto para construir uma misteriosa estrutura feita de lama. Enquanto o povo sudanês reclama a sua liberdade, a sua criação começa lentamente a ter vida própria. Um filme telúrico sobre a violência invisível no mundo árabe.
“Something You Said Last Night” recupera o mood do cinema indie norte-americano num filme sobre uma personagem trans em que o enredo está focado em relações humanas e familiares banais e não num trauma sobre a sua identidade. Uma estreia muito segura da realizadora e guionista Luis De Filippis, num filme sobre emoções universais – amor, vergonha e resiliência.
Ainda em família mas num tom bastante diferente, “Safe Place”, do croata Juraj Lerotić, parte de um evento traumático –uma tentativa de suicídio – para explorar as suas consequências na vida quotidiana de uma família. A fonte da história é autobiográfica e isso é abordado no próprio filme, até no facto do realizador interpretar-se a ele próprio.
Em “Vermelho Bruto”, documentário de Amanda Devulsky, acompanhamos as vidas de Jô, Eunice, Alessa e Fabiana, quatro mulheres que ainda eram adolescentes quando se tornaram mães, durante a redemocratização do Brasil, na década de 1985-1995. Quatro mulheres que viviam as tensões da maternidade e cujas lutas não se faziam em público, mas sim no espaço privado do lar. Combinando arquivos pessoais com imagens filmadas em 2018, durante a campanha que conduziu à eleição de Jair Bolsonaro, Amanda Devulsky tenta contar a História de forma diferente, mostrar o ângulo inverso da acção política, bem como provar que outra forma de resistência é possível.
Nas curtas, para destacar algumas, os temas variam de nichos de cultura online – os incels em “Mechanics of Fluids”, os cam-boys em “Alpha Kings”, o machine-learning em “Backflip” – até projectos políticos, como a comunidade educativa anarquista Universidade Tolstoy, em “Growing Up Absurd”, e “Black Mousse”, sobre a Feira Internacional de Tripoli, projectada por Oscar Niemeyer nos anos 60, em confronto com a Guerra Civil libanesa. No filme “El Jardín de los Faunos”, Pol Merchan faz uma homenagem à vida e obra de Nazario Luque, artista queer espanhol e autor das primeiras bandas desenhadas underground abertamente gay. “Gods of the Supermarket” presta homenagem à representação cliché do corpo masculino, com o qual o realizador tem uma relação de amor-ódio. Através de uma série de imagens recolhidas na Internet, a obsessão cultural com padrões de beleza irrealistas é questionada. “Endless Sea” parte de uma situação cada vez mais reconhecível – Carol descobre que o preço da sua medicação para o coração duplicou. Quando todas as suas tentativas de encontrar uma solução falham, será forçada a um acto desesperado. No total são 29 curtas, entre animação, ficção, documentário ou cinema experimental, de uma amplitude geográfica rara, provenientes de países como Geórgia, Sudão, Líbano, Japão ou Albânia.
Na Boca do Inferno, a secção do festival dedicada ao desconcertante e ao bizarro, 2023 oferece-nos um alinhamento extenso e variado, com escolhas que variam desde comédias ácidas cringe até adaptações de clássicos sci-fi japoneses. No total são sete longas, de autores com história no festival, como Quentin Dupieux e Kristoffer Borgli, e estreantes nestas lides, como Beth de Araújo e Chloe Okuno. Nesta edição celebramos ainda o regresso da Maratona Boca do Inferno, depois de um interregno de três anos. Uma noitada de cinema com curtas e longas, que acaba ao nascer do sol.
Este ano, o grande destaque do Boca do Inferno é “Pearl”, novo filme de Ti West, um dos grandes autores do cinema de género actual. Autêntico crowd-pleaser do terror, o filme usa a violência como engodo para fazer perguntas sérias – que consequências pode ter o isolamento, a repressão e o condicionamento familiar? O filme, uma prequela de X, de 2022, é simultaneamente uma homenagem à sumptuosidade do cinema clássico de Hollywood e uma obra artesanal, em que Ti West realiza, escreve, monta e produz. Um futuro clássico do cinema de terror, com uma interpretação icónica da protagonista Mia Goth.
“Watcher”, primeira longa-metragem de Chloe Okuno, parte do setup dos thrillers clássicos como ponto de partida para um filme inquietante, um twist feminista na Janela Indiscreta de Hitchcock. A viver num país onde não fala a língua, a sensação de isolamento e paranoia da protagonista é constantemente desvalorizada pelos que a rodeiam, num slowburner eficaz e impactante, que trabalha a solidão de forma magistral.
“Soft and Quiet” parte de um gimmick usual – o filme composto por apenas um plano-sequência – para criar uma das experiências cinematográficas mais tensas e perturbadoras do ano. Em plena América pós-Trump, o filme da estreante Beth de Araújo acompanha um grupo de mulheres ao longo de uma tarde em que são discutidos temas actuais: a raça, o género, o papel da mulher na sociedade e na família.
Híbrido found-footage satírico e mockumentary demente, “Stephane” foca-se num realizador desesperado por um hit e num personagem bigger-than-life, o Stephane do título, e na forma como um encontro aleatório pode descambar num escalar de bizarrices. Um filme divertido e excêntrico, que usa os arquétipos dos géneros que explora contra as expectativas do espectador.
Em “Shin Ultraman”, Shinji Higuchi regressa ao universo peculiar dos filmes de super-heróis japoneses, numa adaptação de Ultraman, série sci-fi de culto dos anos 60. Aqui, o autor de Neon Genesis Evangelion trabalha uma questão – como é que o governo do Japão, notório pelos seus processos burocráticos, abordaria uma eventual invasão alienígena? Resposta: com excesso de burocracia.
Quentin Dupieux regressa ao festival com um novo exercício delirante. Uma trupe de super-heróis vagamente inspirada nos Power Rangers tem uma única agenda – usar a nicotina no combate ao tabagismo. Contado em pequenos episódios, cada um mais bizarro que o anterior, “Fumer Fait Tousser”, tem tudo para ser recebido de braços abertos pelos espectadores mais aventureiros.
Kristoffer Borgli, realizador escandinavo que já esteve no IndieLisboa com as curtas Former Cult Member Hears Music for the First Time e Whateverest regressa com a longa “Sick of Myself”. Num embrulho aparentemente muito clean, o filme alimenta-se de humor grotesco para trabalhar a superficialidade e o imediatismo contemporâneo, numa farsa focado num casal a competir por atenção, a todo o custo. Por falar em atenção: alerta para o cameo de Anders Danielsen Lie, actor-fetiche de Joachim Trier.
Nas curtas, o corpo e os seus limites – na dor e no prazer – são os temas de “Claudio’s Song” e “In The Flesh”, exercícios humorísticos e absurdos. “Honeymoon at Cold Hollow” e “A Folded Ocean” abordam tensões de casais, no primeiro com uma estética grindhouse, o segundo mais melancólico e abstracto. “Meantime” faz da subtileza o seu motor narrativo enquanto “Pipes”, curtíssima animação BDSM, usa o sexo e o humor in your face de uma forma original. A fechar, “The Diamond”, autêntico tratado do absurdo. Uma delícia.
Filmes, piscinas e oficinas
O melhor do cinema infantil e juvenil pode ser visto no Cinema São Jorge, Culturgest, Cinema Ideal, Biblioteca Palácio Galveias e, pela primeira vez, na Piscina da Penha de França, que vai receber uma sessão especial – e dentro d’água – no último dia de festival. Haverá espaço para sessões de cinema para todas as idades, para escolas e famílias, um cinema de colo para bebés, oficinas, um filme-debate em parceria com o Plano Nacional das Artes, a nossa festa ao ar livre no jardim das Galveias, e muito mais.
Começando pela novidade, a sessão Curtas na Piscina + 6 Anos está marcada para dia 7 de Maio, às 11h30 e às 16h30, na Piscina da Penha de França. Uma sessão de curtas-metragens divertidas, em volta da temática da água, banhos e piscinas, num ambiente inédito e cheio de salpicos – uma excelente forma de comemorar o dia da mãe. A sessão começa com o “Salto de Girafa”, numa piscina olímpica deserta. Depois temos o filme “Piscina”, onde um homem espera que a noite caia para mergulhar “sozinho” na piscina pública da cidade. De seguida podemos ver “Uma Tarde na Piscina”, onde mil e uma peripécias vão acontecer! “Onda de Calor” é o quarto filme desta sessão e leva-nos ao calor de uma praia na Grécia, onde duas crianças encontram uma maneira de refrescar toda a gente. Em “O Paraíso dos Gatos”, parece que Percy encontra o lago certo para relaxar mas nem mesmo estar na toalha é tão seguro quanto parecia… A sessão na Piscina termina com “Tinta”, onde acompanhamos um polvo que apenas quer que o vidro que enquadra o seu habitat esteja completamente limpo. Para esta sessão tem que chegar 30 minutos antes, trazer fato de banho, toalha, chinelos e touca. A Piscina contará com um nadador salvador e boias. Nessa noite, o conceito estende-se aos mais velhos, com uma nova sessão de curtas.
Outra novidade – este ano o programa do IndieJúnior inclui uma longa-metragem! “Yuku e a Flor dos Himalaias”, da dupla Rémi Durin e Arnaud Demuynck, acompanha a longa jornada de Yuku à procura da flor do Himalaias, que quer oferecer à avó antes dela partir. O filme é falado em francês com legendas em português e em inglês, para +8 anos. A primeira exibição é dia 1 de Maio, às 15h00, no Cinema São Jorge. Repete dia 6, sábado, às 15h00, na Culturgest.
Na secção Curtas para toda a família (+3 anos), o destaque vai para “Confusão nas Varandas”, de Quentin Haberham, um divertido filme holandês sobre uma mulher rica que é obrigada a mudar-se para um pequeno apartamento, onde choca com os hábitos do vizinho. Nas Curtas +6 anos, o belíssimo e disruptivo “Jogo Cruzado” usa o ponto-cruz como meio para contar uma história sobre amizade. Para as crianças +8 anos, uma secção que se estreia nesta edição, o destaque vai para “Coisas Nunca Antes Vistas!”, sobre os esforços de uma criança para recuperar a televisão da sua avó, a sua única janela para o mundo. Tematicamente mais sóbrio, “Magma” foi o filme escolhido pelos alunos do segundo ciclo da Escola Básica São Bruno, em Caxias, no âmbito do programa Eu Programo um Festival de Cinema, para +10 anos. O filme trata das dificuldades de uma rapariga em lidar com o pai, que teve um acidente de mota. Para o 3º Ciclo / +12 anos, a escolha dos alunos foi para “Amigos de Verão”, sobre dois amigos de sempre que questionam a sua amizade depois de conhecerem Lucie, uma jovem de passagem pela ilha onde vivem.
As actividades paralelas do IndieJúnior têm uma série de oficinas e brincadeiras para os mais novos. No dia 4 de Maio, na Biblioteca Palácio Galveias, está marcado o Filme Debate com o tema Descoberta de Si – Crescimento na Puberdade, para +10 anos. Para esta sessão convidamos pessoas de diferentes áreas – artes, educação e saúde – para uma conversa moderada pela subcomissária do Plano Nacional das Artes, Sara Brighenti, na Sala Polivalente da Biblioteca Palácio Galveias. A partir do filme “Os Montes da Gaby”, de Zoé Pelchat, lançamos o debate aos jovens sobre a descoberta de si e o crescimento na puberdade. Iniciativa em parceria com o Plano Nacional das Artes.
As Oficinas para Famílias estão separadas por idades, com actividades adequadas a cada grupo etário. Na Oficina Cinema de Colo 1-2 anos, a que chamamos Entre Poças e Borrifos, água, cor, imagens em movimento, som e outros elementos sensoriais vão tornar esta micro-oficina num espetáculo que irá despertar sensações e risos para pais e bebés. A 1 e 7 de Maio, às 15h00, na sala 2 do Cinema São Jorge, pela mão d’A Porta Amarela, um projecto de mediação artística.
A oficina Mergulho Silencioso é dedicada a crianças com mais de cinco anos. Esta oficina está marcada para dia 29 de Abril no Palácio Galveias e concebida e dinamizada pela educadora Ana Teresa Magalhães e pelas Edições Orfeu Negro. Nesta oficina, vamos mergulhar para além do que é visível, deixar que o espanto nos comova e descobrir novos horizontes que, num primeiro olhar, ninguém vislumbrou. Com lápis branco, traçamos desenhos invisíveis e, com a ajuda da poeira do carvão, encontramos lugares e personagens que habitam a nossa imaginação. Inspirada no livro “A Piscina”, de Jihyeon Lee, das edições Orfeu Negro (colecção Orfeu Mini).
Dia 29 de Abril, no Jardim da Biblioteca Palácio Galveias, a oficina de expressão plástica Construímos Sinais Diferentes é concebida e dinamizada pelo projecto pedagógico ‘Pela Cidade Fora’, da EMEL onde se pode aprender sobre os diferentes tipos de sinais de trânsito e perceber a importância que cada um tem na nossa vida.
No sábado seguinte, dia 6 de Maio, às 15h00, voltamos à Biblioteca Palácio Galveias para uma oficina de som, desenho e movimento, Caixinha de Aaaah!, concebida e dinamizada por Baleia – Artes e Infância. Pensada a partir do filme “Aaaah!” ,esta é uma oficina para descobrir e criar sons a partir de imagens e desenhos que um dia podem ser sons.
Na mesma tarde, mas no Cinema São Jorge, outra oficina, desta feita concebida e dinamizada por Claude Delafosse, o realizador de “Como Ganhei as MInhas Rugas” – que pode ser visto na sessão Curtas para Toda a Família + 3 anos – ensina como Domar um Dragão! Criar e animar dragões, usando pequenos objetos e plasticina, será o grande objectivo assim como conhecer melhor como o realizador faz os seus filmes.
A antecipação desta edição do IndieJúnior está marcada para a tarde de 16 de Abril, na Musa de Marvila, com uma sessão de cinema com curtas da última edição do festival, para maiores de 6 anos, jogos de ping pong, comes e bebes e dj-set de Miss Playmobile num terraço com escorregas e esplanada para deleite de pais e filhos.
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