Salvador Sobral ganha a Eurovisão. O Benfica é tetracampeão. Daqui a uns meses, Medina ganhará a CML, mesmo com os convites disfarçados de empreendedorismo que afastaram boa gente para as periferias em busca de rendas menos ridículas. Mas, aquilo que nos fala no interior em burburinho incessante é: quem ganha a competição internacional do IndieLisboa 2017?
Aqui no Deus Me Livro, por termos faltado à consulta do oráculo de Belline, bem como à do rei dos ultracongelados, Marco Bellini (e ele é que sabe), não sabemos quem será o contemplado, contudo, deixamos as dicas com muito gosto: ou Boli Bana (de Simon Gillard), ou Somniloquies (de Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel). Elaboremos, com brevidade.
“Boli Bana” tem a favor: a menção honrosa, nos créditos, à inspiração de Alberto Caeiro; revelar a proeza de, no cu de Judas do Burkina Faso, ter um puto com uma camisola do Sporting Lisbon (dos tempos áureos do patrocínio PT); mostra-nos a crueldade animalesca de uma circuncisão a sangue frio numa criança; contrapõe, na introdução, uma das mais belas dicotomias do cinema recente, filmada e editada quer com exuberância, como com prudência – a morte de um animal para consumo, pese o cariz ritualistíco, intercaladas com o nascimento de um bebé albino (tirem disto o que quiserem, mas lá que é brilhante, é.)
A segunda aposta, “Somniloquies”, possivelmente a sessão com mais desistências desta edição do Indie (exceptuando as curtas internacionais que não enchem a sala com amigos da equipa técnica), é um risco assumido. Para quem nunca teve ou terá problemas de vista, é compreensível que se sinta defraudado com o dinheiro investido, já que se trata do primeiro filme (profissional e ao longo de toda a sua duração) com um misto grave de miopia e astigmatismo, praí com doze dioptrias em cada olho. É, contudo, uma experiência sensória com toda a probabilidade de se demarcar de tudo o que já tenham visto, feita por tusto e meio. A premissa de uma vida não corpórea – aquela que jaz nos delírios de um sono profundo – recorrendo às gravações do arquivo Dion McGregor, o mais conhecido falador sonâmbulo do mundo – é aliada à exploração próxima e distante de sucessivos corpos de todos os feitios, em desfoque envolto numa escuridão cega, partilhando com o registo sonoro apenas o torpor adormecido. “Somniloquies” tanto consegue ser mais assustador que qualquer selecção oferecida na secção Boca do Inferno, como é mais cómica que qualquer piadola com referência aos subsídios do ICA que vão apanhar no bar da Culturgest.
Posto isto, e para concluirmos em grande, o Deus Me Livro contava ainda incluir “Ghost Hunting”, de forma oficial, nas suas apostas. Porém, graças ao fiasco da projecção no Grande Auditório da Culturgest, que sobrepôs legendas dessincronizadas (as inglesas, entregues à aleatoriedade, nem coincidiam com as imagens), o visionamento do filme tornou-se impossível. Fica aqui a dica: é filmão e há internet para cavar, cavar muito fundo, bem fundo.
Nota: este artigo foi escrito antes de qualquer uma das previsões apresentadas.
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