Depois do sucesso de “Uma Outra Educação”, onde Peter Sarsgaard interpretou um dos flâneurs mais imprevisíveis da história do cinema contemporâneo, Lone Scherfig regressa a território britânico com “Heróis da Nação” (“Their Finest” no original, expressão retirada de um discurso de Winston Churchill). Na verdade, e apesar de ser dinamarquesa, a realizadora parece ter uma admiração especial pela Britishness, ou seja, o conjunto de características que define os cidadãos britânicos em geral.
A acção decorre em Londres durante a Segunda Guerra Mundial e trata-se de um filme sobre a rodagem de um outro filme. No caso, de uma longa-metragem que permita levantar o moral da população, acossada pelos constantes bombardeamentos durante o Blitz. Logo no início, conhecemos a protagonista, Catrin (Gemma Arterton), uma galesa insegura e desesperada para arranjar emprego, já que o marido (Jack Huston) não parece estar em condições para fazer face às despesas. Pensando que se está a candidatar a um cargo como secretária, Catrin acaba por ser surpreendida no momento em que é contratada para escrever “lamechices” – palavra usada para descrever um diálogo entre mulheres -, destinadas sobretudo aos documentários de propaganda exibidos nas salas de cinema.
A certa altura, viaja rumo à costa para entrevistar duas irmãs gémeas. Motivo? Como se diz que ambas ajudaram soldados a regressar a casa durante a retirada de Dunquerque, há que averiguar se existe matéria suficientemente interessante para a rodagem de um filme. E, embora o relato dos acontecimentos fosse claramente exagerado, Catrin decide contar uma versão um pouco mais heróica quando regressa ao Ministério da Informação Britânico. Sob a directriz “autenticidade aliada ao optimismo”, a luz verde para avançar com o projecto não tarda a surgir, sendo a galesa uma das responsáveis pelo argumento. E é neste momento que se cruza com Buckley (Sam Claflin), um escritor lacónico e com tendência para o sarcasmo, com quem passará a conviver diariamente por razões profissionais.
Apostada em afirmar-se como alguém entre pares, Catrin rapidamente se adapta àquele mundo cheio de tabaco e álcool, nunca se deixando abater pelo tratamento condescendente de Buckley; a cada observação irónica, impõe-se um comentário assertivo no instante seguinte. Aos poucos, conquista a admiração por parte dos colegas, passando a ser vista como uma igual – não apenas como autora de lamechices. Aliás, consegue ir ainda mais longe: o actor Ambrose Hilliard (Bill Nighy), uma estrela em decadência por causa da idade, recusa a ideia de ter de se contentar com um papel ridículo como um velho tio bêbado, passando a pedir a Catrin constantes alterações ao argumento. Graças a Hilliard, há inúmeros momentos de humor, já que o seu narcisismo leva-o a crer que a pior consequência da guerra assenta no péssimo serviço prestado no restaurante onde costuma almoçar.
O humor, porém, não fica por aqui: temos os avanços ousados da nova agente de Hilliard (Helen McCrory), sempre acompanhada de um cão com uma postura inconveniente; a falta de talento do actor americano (Jake Lacey), contratado à pressão por razões diplomáticas; a excentricidade do Ministro da Informação, papel atribuído – e bem – a Jeremy Irons; os diálogos provocadores entre Catrin e Buckley, cuja cumplicidade se vai adensando. No momento em que toda a equipa de filmagens parte para o litoral por causa das cenas exteriores, a tensão sexual entre os dois aumenta exponencialmente, e será necessário ter nervos de aço para não cair em tentações carnais.
Gaby Chiappe adaptou de forma equilibrada o romance de Lissa Evans, sendo a capital britânica retratada como um lugar onde nunca se baixam os braços por maiores que sejam os desaires. Mesmo quando a narrativa derrapa para a tragédia. Afinal, o espírito combativo e o sentido de dever fazem parte da Britishness que “Heróis da Nação” não deixa de celebrar. Como Churchill diria, não é por acaso que os habitantes daquelas ilhas se regem há tanto tempo por uma velha máxima: Business as usual. Porque o heroísmo não se presta a lamechices.
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