No ano de 1999, com “Crash”, David Cronenberg fez o bom cinéfilo entrar em rota de auto-colisão, num filme que, de forma provocadora e com muito erotismo e malandragem no lugar de pendura, se debruçava sobre o esgotamento e a reinvenção do desejo, através da fascinação humana para com a morte e a tendência para a erotização do perigo.
Apresentado na Quinzena dos Realizadores na edição de 2019 do Festival de Cannes, “Yves”, que conta com a realização de Benoît Forgeard, está longe da subtileza e finesse Cronenberguiana, mas mantém o delírio erótico através de uma boa dose de idiotice e pura parvoíce, onde encontramos um candidato a rapper, a rapariga dos seus sonhos mais molhados e um frigorífico falante que, a haver licenciaturas para frigoríficos, ter-se-ia formado com distinção numa Harvard refrigerada.
Não esperem encontrar por aqui uma narrativa linear, credível ou politicamente correcta. Tal como no clássico “Dumb and Dumber”, protagonizado pela dupla Jim Carrey e Jeff Daniels, a estupidez governa do princípio ao fim e, se entrarem no filme sem grandes desejos de intelectualidade e aceitando até algum mau gosto, são capazes de passar um bom bocado.
Nesta sua segunda longa-metragem, o argumentista e realizador Benoît Forgeard mistura o hip-hop de tons machistas – estilo 2 Live Crew – com a insanidade tecnológica de ponta, criando um filme que salta para fora da caixa. O protagonista dá pelo nome de Jerem, um MC que parece sofrer de um bloqueio criativo permanente na garagem onde vai gravando as suas malhas. A sua vida sofre uma transformação quando, por razões desconhecidas e nunca apuradas, é escolhido para fazer parte de um teste de produto a um frigorífico que promete operar uma revolução mundial: o Fribot, baptizado de Yves, um parente moderno do HAL 9000 de Kubrick.
Sem dinheiro para grandes aventuras, Jerem começa por achar piada a ter as compras pagas e feitas por este frigorífico nutricionista, pelo menos até este começar a colocar algumas reservas aos seus pequenos-almoços onde há apenas lugar a bananas e molho de chocolate. A devolução do aparelho parece ser uma certeza, mas quando So, uma estilosa trabalhadora da companhia entra em acção, Jerem vê-se perdido de amores, encontrando em Yves não apenas um conselheiro relacional mas também um parceiro criativo, capaz de rapar como gente grande em ritmo de auto-tune.
A partir daqui desenha-se um triângulo feito de muito músculo e microchips, que irá conduzir a um duelo tresloucado e a um final onde Forgeard mostra estar claramente mais preocupado na sua estética marada do que com qualquer opinião menos favorável do espectador, num filme que faz troça da criação musical em tempos modernos e olha para a Inteligência Artificial como algo que, com a devida malha, até se pode transformar em motivo de chacota, impedindo que os robots tomem conta deste mundo. Tão, mas tão ridículo que chega a ser cool.
Sem Comentários