A partir do momento em que descobriu um programa de televisão – nos arquivos da RTP – onde aparecia o seu avô, que nunca conheceu, a falar para a câmara, Catarina Mourão ficou completamente hipnotizada.
Decidiu então trabalhar num documentário sobre Tomaz de Figueiredo, o avô escritor, dando-lhe o mesmo nome do seu romance mais conhecido: “A Toca do Lobo“. Uma descoberta de vida que a levou a lugares reais e imaginários, e a fez ter conversas com pessoas vivas e mortas.
O filme, que venceu o Prémio do Público no IndieLisboa 2015 e o prémio de Melhor Documentário Português no Festival Filmes do Homem 2016, pode agora ser visto em algumas salas de cinema nacionais (Lisboa, Leiria, Porto e Setúbal). O Deus Me Livro vestiu a pele de cordeiro e foi visitar a Toca de Catarina Mourão.
O nível de coincidência, na primeira sequência de Arquivo RTP do seu avô, é inacreditável. Como é que esse trecho moldou o processo criativo que se sucedeu?
Esse excerto do programa foi o momento de epifania para o arranque do filme. Ele determinou, por exemplo, a estrutura narrativa, ou seja, imprimiu um “macguffin” no filme em que um dos objectivos parece ser reencontrar essa herança perdida do meu avô: as saquinhas de cachimbo. Mas também determinou uma certa dimensão onírica e fantasmagórica no filme.
Como é um familiar directo e se expõe tanto, houve alguma relutância, da parte da sua mãe, em “dar a cara” ao projecto e descortinar muito daquilo que a intrigava?
A minha mãe assumiu logo de início que queria fazer esta viagem comigo mas é ao longo do filme que se vai entregando emocionalmente.
Consegue ter uma opinião crítica, desligada dos seus laços, quanto à produção literária de Tomaz de Figueiredo, seu avô?
É difícil responder a essa pergunta porque ainda não consegui ler todos os livros do meu avô. Mas é uma escrita densa, inteligente, sensível mas difícil também. Gosto muito da poesia dele.
Tomaz de Figueiredo, poeta, teria boas hipóteses de ser lido, hoje em dia? Ou seja, como se sente a idade da sua produção literária.
Acho que sim. Aliás estou a trabalhar na reedição dos seus seus sonetos escritos no Telhal. É preciso recuperá-lo para perceber como será lido hoje.
Ao longo do filme, faz alusão que os arquivos oferecem mais ausência que presença. Qual a dimensão deste aparente paradoxo?
Esse aparente paradoxo, sinto-o na medida em que os arquivos atraem-nos para um abismo que nem sempre nos dá respostas. A quantidade de informação que lá podemos encontrar leva-nos a ter cada vez mais interrogações e a gestão e interpretação dessa informação colossal pode ser tão avassaladora que bloqueamos, perdemos o fio da meada ou inevitavelmente interpretamos e nessa interpretação também podemos ocultar coisas. Aquilo que existe num arquivo também evidencia o que não existe.
Em contextos muito distintos, o que acha da pesquisa de Patrícia Portela sobre Acácio Nobre? Ambas parecem partir de curiosidades que acabam em descobertas de vultos esquecidos pela História.
Que coincidência maravilhosa: tenho à minha frente o livro da Patrícia Portela “A colecção privada de Acácio Nobre” que me emprestaram há dias. Mas ainda não li e, por isso, não consigo responder a essa pergunta. Mas gosto muito do trabalho da Patrícia e acho que temos imensos pontos de contacto, independentemente da origem mais documental ou ficcional.
“A Toca do Lobo” está algures entre a não-ficção intimista e o documentário. Acha que são apenas elementos catalogáveis? Onde insere o seu trabalho?
Acho que “A Toca do Lobo”, filme, é cinema e tem documentário e ficção. Tem também uma dimensão ensaística e autobiográfica…. agora não sei se é importante por “A Toca do Lobo” dentro de uma toca.
Acha que herdou alguma sensibilidade estética do seu avô, que seja visível no filme? Falo disto pelas passagens visuais poéticas.
Não sei responder a isto. Acho que vimos de mundos e tempos muito diferentes. Sinceramente não sei avaliar.
Por fim: como será a Catarina enquanto cineasta, perante um guião de ficção e direcção de actores profissionais? Interessa-lhe esse registo, e se sim, quais os planos futuros?
Claro que sim, que me interessa, tenho guiões escritos na gaveta. Mas por vezes a vida leva-nos também por caminhos diferentes dos planeados e há sinais que temos de seguir. De qualquer forma seria sempre uma ficção com uma metodologia mais documental.
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