Embora o apelo da escrita tenha chegado tarde, isso não impediu Roald Dahl (13 Setembro, 1916 – 23 Novembro, 1990) de deixar uma obra impressionante: dezanove livros infantis, nove colecções de contos e inúmeros argumentos para televisão e cinema. Além disso, o gosto por temas como a ganância, a sede de vingança e o lado mais negro da natureza humana ficou bem patente em obras como “Someone Like You” e “Kiss Kiss”. Ou no célebre conto “Lamb to the Slaughter”, sobre uma mulher que atinge mortalmente o marido com uma perna de borrego, servindo-a em seguida aos detectives responsáveis pelo caso. De carácter esquivo, Dahl evitava partilhar com os leitores eventuais fontes de inspiração; no entanto, acabou por confessar que Ian Fleming foi decisivo para arquitectar a história, uma vez que o criador de 007 não resistiu a fazer humor em torno do borrego – especialmente rijo – que lhes foi servido durante um jantar. Mais tarde, o conto seria adaptado pela mão de Alfred Hitchcock para o pequeno ecrã, alcançando fama mundial.
Roald Dahl nasceu no País de Gales, em 1916, e o nome invulgar deve-se aos pais noruegueses; perdeu a irmã mais velha, Astri, quando esta tinha apenas sete anos, devido a uma peritonite; estávamos em 1920 e o pai acabaria por sucumbir a uma pneumonia pouco tempo depois, deixando a mãe de Dahl com uma pesada incumbência: criar quatro filhos e dois enteados sozinha. Com apenas nove anos, Dahl ingressou num colégio interno, revelando desde cedo um enorme desdém por instituições de ensino, facto que terá contribuído para a sua recusa em estudar numa universidade. Mal a Segunda Guerra Mundial estalou, decidiu alistar-se na Força Aérea, algo que marcaria um ponto sem retorno na sua vida.
Quando o avião que pilotava se despenhou no deserto líbio, Dahl ficou tão gravemente ferido que teve de ser submetido a inúmeras operações. Numa atitude algo tétrica que acabaria por caracterizar a sua escrita, o autor britânico não resistiu a usar parte do fémur que os cirurgiões lhe retiraram como pisa-papéis. Por várias ocasiões, afirmou estar convencido de que aquele acidente lhe alterou a personalidade, fazendo despertar o desejo de escrever. Os primeiros contos infantis, destinados aos filhos, surgiram em 1960, quando já estava na casa dos quarenta. Embora não fosse indiferente ao glamour de Hollywood – onde conheceu a primeira mulher, a actriz Patricia Neal, no início dos anos de 1950 – optou por viver numa quinta em Buckinghamshire, entre Londres e Oxford. Tiveram cinco filhos, tendo o casamento sido marcado pela tragédia: quando estava grávida de Lucy, Neal sofreu um ataque cardíaco, que a deixou à beira da morte com apenas 39 anos. Segundo a actriz, a disciplina férrea do marido terá sido decisiva para a recuperação, a que se seguiria o zénite da sua carreira: a conquista do Oscar de Melhor Actriz pelo seu desempenho em “Hud” (1963), onde contracenou com Paul Newman.
Contudo, não viveram felizes para sempre: em 1972, Dahl seria acometido por um electrizante coup de foudre mal viu Felicity Ann Crosland, responsável por dirigir Neal num anúncio publicitário. O caso amoroso, que acabaria por durar cerca de uma década, deu origem ao divórcio e ao segundo – e derradeiro – casamento do escritor. Este affair, juntamente com o fascínio pelo “macabro”, desencadeou duras críticas ao autor de “Charlie and The Chocolate Factory”; contudo, a admiração por parte do público – nomeadamente do público infantil -, suplantaria qualquer maledicência. E embora Dahl escrevesse tão bem ao ponto de parecer tratar-se de uma actividade banal, não era raro demorar seis meses a escrever um conto. A imaginação, o ritmo e o humor que habitam a sua obra converteram-no num dos escritores mais aclamados de sempre; não espanta, portanto, que uma das suas expressões favoritas fosse algo tão simples como isto: “Vamos ao que Interessa”. Ora, vamos ao que interessa, sim: está à espera de quê para (re)ler este gigante?
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