Segundo Francis Bacon, a melhor parte da beleza é aquela que nenhuma fotografia consegue captar. Ainda assim, Charlotte Rampling vive em permanente estado de flirt com as câmaras e é fácil perceber porquê: quando se tem uma aparência fora do comum, torna-se impossível não chamar a atenção dos melhores. Como Juergen Teller, para quem posou despida, exibindo um corpo extraordinário, aos 63 anos; ou Helmut Newton, cuja lente foi capaz de captar uma mulher com uma segurança de aço. Corria o ano de 1974 e, na sequência de um desempenho notável no clássico “O Porteiro da Noite”, de Liliana Cavani – quem não se lembra da relação obsessiva entre uma sobrevivente de um campo de concentração e um ex-oficial das SS? -, o convite da Playboy não se fez tardar. Mas a imagem projectada está longe de ser a de uma Barbie com ar inocente: Rampling assume, também aqui, uma persona portadora de uma sexualidade perturbante, capaz de nos atrair e repelir em simultâneo.
Tessa Charlotte Rampling nasceu em Essex, no Reino Unido, e a inconstância que a leva a procurar papéis cada vez exigentes deve-se ao pai, coronel do Exército e medalha de ouro na modalidade de atletismo nos Jogos Olímpicos de 1936. Habituada desde cedo à vida de nómada – nunca permanecia no mesmo lugar durante mais de dois anos -, acabou por desenvolver uma monumental capacidade de adaptação, indispensável para qualquer um que queira fazer da representação o seu ofício. Num período de apenas 14 anos, frequentou cinco escolas, conquistando a maleabilidade que a tornou célebre. Isso não significa, porém, que tudo na sua vida seja efémero: durante cerca de vinte anos foi casada com o músico Jean-Michel Jarre, com quem teve um filho. Conheceram-se num jantar em St. Tropez e, passadas poucas semanas, já viviam juntos. Dizem os mais próximos que o coup de foudre foi, no mínimo, electrizante.
No entanto, a história não acabou bem: depois de descobrir que o companheiro a traía a torto e a direito, Rampling afundou-se numa depressão profunda. Já não era a primeira vez que um rude golpe a abalava, já que teve de lidar com o suicídio da irmã mais velha, de quem era muito próxima, em 1967. Sarah não resistiu a uma depressão pós-parto, deixando toda a família destroçada. E, como se esse acontecimento já não fosse suficientemente ominoso, Rampling ainda teve, a pedido do pai, de carregar um segredo durante mais de duas décadas: para a mãe, Sarah não teria posto fim à vida.
Talvez seja por isso que a actriz se tenha tornado uma verdadeira “tour de force”, expressão tantas vezes utilizada pelos críticos de cinema. Ou La Légende, a alcunha que lhe atribuíram em França, país onde vive há mais de trinta anos. E, de facto, é já de uma lenda que se trata: longe vão os tempos em que “Charley” passeava de Mini Cooper no bairro londrino de Chelsea, criticada por muitos por viver um ménage à trois com o primeiro marido, Bryan Southcombe, e um manequim neo-zelandês. Estávamos nos Swinging Sixties, e Rampling nunca se coibiu de viver a sexualidade sem complexos, sendo ainda hoje famosos os casos que teve com vários aristocratas.
Ninguém parecia resistir-lhe: trabalhou com Luchino Visconti, Woody Allen, Nagisa Oshima, Sidney Lumet. Graças a este último contracenou com Paul Newman e James Mason em “O Veredicto”; impossível esquecer a expressão de auto-comiseração que Rampling assume no momento em que aceita um cheque “sujo” das mãos de Mason. Ou a agressão que Newman desfere sobre ela, desapontado quando descobre a traição. Impossível esquecer, também, o papel que desempenhou recentemente em “45 Anos”, e que acabou por lhe valer a primeira nomeação para o Oscar. Charlotte Rampling completou 70 anos no passado dia 5 de Fevereiro. E, embora recuse a ideia de recorrer ao bisturi, a beleza permanece. Como diria Bogart, here’s looking at you, kid!
Sem Comentários