Edifício Pirelli: 127 metros de altura, 32 pisos e um dos símbolos do milagre económico italiano do final dos anos (19)50. Um arranha-céus que foi dos mais altos na Europa durante muito tempo, e que se mantém como um dos ícones de Milão. É precisamente com o Pirellone que “Das Profundezas” começa, com um repórter de televisão a subir de elevador até ao topo. Do topo do edifício Pirelli, de Milão e do norte industrializado italiano, saltamos para a Calábria, para o mundo rural e para a Itália profunda e real. É aqui que a população de uma aldeia se reúne na rua para assistir, em conjunto, à televisão, onde está a passar o tal programa sobre o alto edifício de escritórios.
“Das Profundezas” é um filme feito dessas dicotomias: a cidade e o campo, a modernidade e a ruralidade, a vida e a morte, a ascensão e a descensão. No entanto, recusa qualquer rótulo e, mais de uma década após esse momento do cinema italiano que é “As Quatro Voltas”, o realizador Michelangelo Frammartino volta a assinar uma espécie de OFNI – Objecto Fílmico Não-Identificado.
Não é que “Das Profundezas” recuse a linearidade narrativa, porque essa existe e de forma convencional. Por um lado, acompanhamos a expedição que um grupo de espeleólogos faz ao interior de um cave, que se revelará a terceira mais profunda gruta do mundo; por outro, seguimos um velho pastor (que podia pertencer a “As Quatro Voltas”) que observa tudo ao longe, e que está a morrer. É quase um objecto etnográfico, já que se limita a acompanhar a aventura de espeologia pelas entranhas da Terra ou a observar o pobre homem, seja sentado ao ar livre, seja depois na cama, a dar os últimos suspiros. Tudo isto sem diálogos ou legendas sequer, porque aqui a comunicação verbal não é importante, limitando o espectador ao mais primal acto de ver e ouvir.
É, no entanto, a aventura de espeleologia o mote central do filme, ou não se chamasse “Das Profundezas (“O Buraco”, no título original em italiano). Do topo do edifício mais alto de Itália para a gruta mais funda do país, Frammartino utiliza o seu ritmo muito lento e pausado para reconstituir aquela demanda épica, quase como se fosse um documentário. Mas esqueçam “Operação: Resgate na Tailândia”, não é nada disto. Aqui, a referência é mais Werner Herzog e “A Caverna dos Sonhos Esquecidos”, um filme que capta na perfeição o fascínio da descoberta daquele mundo escondido, à medida que os homens e mulheres daquela grupo vão avançando cada vez mais fundo. Quem já foi às grutas de Mira D’Aire (ou outras quaisquer do género) sabe do que estou a falar.
Contudo, é na fotografia que Michelangelo Frammartino ganha o filme. Cada plano é uma verdadeira pintura de alto contraste e cores vibrantes, em que as cenas captadas na hora mágica até são das menos impressionantes. Tudo isto ajuda-nos a manter agarrados a “Das Profundezas” durante toda a sua extensão, mesmo que nada se passe. Ou, pelo menos, aparentemente. Porque, quando o filme termina, já os espeleólogos foram a 682 metros de profundidade e uma morte aconteceu.
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