Olhamos para o título em português do novo filme dos manos D’Innocenzo, que sacou o prémio para melhor argumento no último festival de Berlim, e não conseguimos deixar de pensar em Eric Rohmer – apesar do “negro” do título, o francês continua a ser o mestre intocável dos filmes de verão. No entanto, as referências de “Contos de um Verão Negro” – “Favolacce” no original – não podiam ser mais diferentes: o grotesco de Harmonyh Korine (a cena em que uma jovem lactante molha um biscoito em leite directamente das mamas podia muito bem pertencer a Gummo), a depressão de Todd Solondz, a sensação de estranheza da conterrânea Alice Rohrwacher ou o hipnotismo surreal da nova vaga grega (olá Yorgos Lanthimos, como tens passado?).
“Contos de um Verão Negro” é uma pequena compilação da vida de algumas famílias num subúrbio de Roma que, como David Lynch já nos ensinou, é onde se descobrem as maiores bizarrias. Por trás das máscaras das idas comuns e ordinárias escondem-se disfuncionalidades e muita perversidade o que, pela lente dos irmãos D’Innocenzo, significa violência doméstica psicológica, muitas mulheres em situação de passividade e, claro, crianças que acabam por levar por tabela.
Existem alguns cenas realmente desconfortáveis, como um jantar familiar pacato da família Rosa, em que o mais pequeno se engasga. O pai (Max Malatesta), um bruto orgulhoso e com alguns problemas em gerir a sua raiva, acode com violência e o susto deixa todos abalados. As reacções de todo aquele núcleo familiar não podiam ser mais disfuncionais, e o que se segue é uma amostra de comportamentos que geram tudo menos empatia. Aliás, geram tudo aquilo que é o oposto de empatia. Mais tarde, Max Malatesta há-de ter outra explosão comportamental para com o filho, quando este pergunta se está tudo bem entre ele e a mãe, e mais uma vez somos obrigados a desviar o olhar. Com monstros como este, quem precisa de filmes de terror?
Esta é uma versão do “Feios, Porcos e Maus” dos subúrbios – e isso não é propriamente bonito de se ver. As personagens não têm qualquer redenção possível à sua espera e, por isso, a desesperança é a única coisa comum a todas elas. Porém, como é sabido, o Verão pertence às crianças e este, mesmo negro, pertence-lhes. Por isso serão elas a ter a última palavra a dizer nesta fábula desencantada, em que a violência, o abuso, o suicídio e o sexo são a linguagem falada nas entrelinhas.
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