Luca Guadagnino alimentava o desejo de filmar “Chama-me Pelo Teu Nome” há vários anos, tendo conseguido reunir todas as condições para avançar com o projecto apenas em 2017. Uma delas passava por convencer James Ivory a escrever o argumento, adaptando a obra homónima de André Aciman, um escritor italo-americano nascido em Alexandria.
A narrativa decorre nos anos 1980, no norte de Itália, para onde Oliver viaja a convite do Professor Perlman (Armie Hammer e Michael Stuhlbarg, respectivamente). Todos os anos, este professor de Antiguidade Clássica – juntamente com a mulher, Annella (Amira Casar) – convida um aluno da faculdade para passar uma temporada na sua casa de férias, prestando apoio na elaboração das teses de doutoramento. A villa está sempre repleta de animação, uma vez que há amigos a entrar e a sair a qualquer hora do dia. Amigos do casal e do seu único filho, Elio (Timothée Chalamet). Para além de tocar Bach e Schonberg, Elio diverte-se a nadar no rio ou a andar de bicicleta sem ter de olhar para o relógio. Os longos dias de Verão acentuam a ideia de liberdade de que todos parecem usufruir, e nem mesmo os períodos de trabalho em que é preciso catalogar obras de arte ou reescrever passagens do trabalho académico retiram prazer às tarefas diárias.
Oliver adapta-se a este dolce far niente muito rapidamente e não hesita em misturar-se com os nativos, jogando às cartas ou “flirtando” com as beldades da região. Sempre sob o olhar atento de Elio, que o segue para todo o lado. E, apesar de alguma crispação inicial, o rumo que as coisas tomarão torna-se evidente – sobretudo depois de uma viagem ao Lago de Garda, onde se pretende recuperar parte de uma estátua grega. A sensualidade começa a estar omnipresente: nas esculturas analisadas, nos alperces apanhados directamente das árvores, nos romances lidos em voz alta, nos banhos de sol cada vez mais frequentes.
Até que um diálogo entre Elio e Oliver precipita a consumação de um amor proibido. As cenas íntimas são filmadas com grande intensidade, embora haja espaço para imaginarmos o que se passa entre paredes. O que não é mostrado acaba por ser intuído, já que, a dada altura, a câmara se desvia em direcção ao exterior. Depois de muitas dúvidas, assume-se a vontade de conhecer visceralmente o outro, sendo até possível uma troca de identidade. “Chama-me Pelo Teu Nome”, diz-se, num certo ponto.
Esta história, que se quer viver de forma secreta, é acompanhada de uma banda sonora excelente, onde sobressai o tema “Mystery of Love”, nomeado para o Óscar de Melhor Canção Original. A fotografia também é notável, acentuando a beleza da região da Lombardia, onde Guadagnino, por razões sentimentais, decidiu filmar. A natureza está em grande destaque, fazendo-nos lembrar algumas obras de Eric Rohmer, como “O Joelho de Claire” (1970). No entanto, o melhor surge no fim: perante o filho destroçado, o Professor Perlman confessa saber o motivo por que Elio se deixou abater por uma tristeza profunda. E reforça a ideia de que aquele sofrimento resulta de uma experiência que nem todos têm a sorte de viver. Há que viver com intensidade, sob pena de nos convertermos em criaturas amorfas e cobardes. Mais cedo ou mais tarde, tornamo-nos invisíveis, já que o corpo cede ao peso da idade; logo, é fundamental tirar o máximo partido do pouco tempo de que dispomos – mesmo que o preço a pagar passe por uma angústia atroz.
Curiosamente, Elio é o único que parece estar disposto a aceitar a matéria de que é feito; quando Oliver lhe telefona para lhe dar uma notícia importante, não deixamos de lamentar a mentira que o académico americano está prestes a viver. No fundo, “Chama-me Pelo Teu Nome” é sobre as diferentes identidades que podemos escolher, sendo que só mesmo os mais corajosos aceitam mostrar o que verdadeiramente são.
Sem Comentários