Todd Haynes, que já tinha sido magistral a retratar a complexidade emocional feminina na mini-série da HBO Mildred Pierce, volta a surpreender-nos com um trabalho primoroso. “Carol“, baseado numa obra de Patricia Highsmith – que optou por adoptar o pseudónimo Claire Morgan -, conta a história de amor entre Carol Aird (Cate Blanchett), uma socialite em pleno processo de divórcio, e Therese Belivet (Rooney Mara), uma empregada de balcão que aspira a ser fotógrafa. E, sem sabermos, tomamos contacto com o envolvimento entre as duas numa conversa cujo conteúdo só será revelado numa das últimas cenas. Somos estrategicamente mantidos à distância, longe da mesa de um qualquer salão de chá em Manhattan, podendo apenas especular sobre o que se passa. No entanto, a suspeita de que aquela conversa é importante adensa-se, não só graças à troca de olhares entre ambas mas, também, por causa da mão de Carol pousada sobre o ombro de Therese – ainda que por breves instantes. Esse é, aliás, um dos trunfos do argumento de Phyllis Nagy: em vez de nos oferecer certezas, convida-nos a fazer suposições – como quando Carol “esquece” as luvas na loja onde Therese trabalha.
Estamos em 1952, nas vésperas de Natal, e há que comprar um presente para Rindy, a filha de quatro anos. Como o objecto eleito é um comboio eléctrico, a entrega ao domicílio torna-se obrigatória – e, por arrasto, a anotação da respectiva morada. Daí até ao primeiro rendez-vous vai um pequeno passo: durante um almoço, e perante a revelação de que Richard, o namorado de Therese, pretende partir com ela para França, apercebemo-nos das dúvidas que habitam a cabeça da aspirante a fotógrafa: «Casar com ele? Eu mal sei que prato hei-de pedir.»
Cansadas de relacionamentos que não as preenchem, Carol e Therese deixam Nova Iorque e partem de carro em busca de liberdade; para trás ficam os olhares indiscretos e a solidão de outros tempos. No momento em que a relação está prestes a ser consumada, ambas confessam sentir-se felizes por, finalmente, não terem de passar o réveillon rodeadas de estranhos.
A comparação com o universo literário de Richard Yates, autor do aclamado Revolutionary Road, é inevitável: amarradas às convenções sociais, as personagens não escapam ao isolamento apesar de viverem no meio da multidão. Será a redenção alguma vez possível? Num período em que a homossexualidade era tida como ultrajante há muito a perder, nomeadamente a custódia de Rindy.
Quando a conversa no salão de chá é recuperada, a separação definitiva parece ser fatal. Mesmo depois de Carol proferir as três palavras mais impactantes da língua inglesa: I love you. Cate Blanchett e Rooney Mara demonstram aqui, sob uma atmosfera pejada de tensão sexual, por que motivo a nomeação para os Óscares se impôs naturalmente. Há uma escolha a fazer: viver de acordo com as normas sociais vigentes ou enfrentar tudo e todos em nome do amor. Até porque, parafraseando Yates, é preciso ter coluna para vivermos a vida que queremos. E coluna é algo que não falta a “Carol”. Uma obra-prima.
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