Já não é a primeira vez que Jesse Eisenberg trabalha com Woody Allen e percebe-se porquê: os maneirismos, a destreza verbal e a inseguranca no modo como interage com os outros têm tudo a ver com o cineasta, que acaba de rodar o seu 47.º filme: “Café Society”. Eisenberg é Bobby Dorfman, um nova-iorquino apostado em vencer em Hollywood com um pequeno “empurrão” do tio, Phil Stern (Steve Carell), um agente que priva com estrelas tão conceituadas como Ginger Rogers ou William Powell. E embora as festas repletas de glamour se sucedam, Stern procura evitar que o sobrinho se deixe atrair pelas águas frívolas onde habitualmente navega; em alternativa, preocupa-se em apresentá-lo às pessoas certas, afastando-o da fábrica de deslumbramento que ajudou a construir.
Uma dessas pessoas é a sua secretária, Vonnie (Kristen Stewart), que afirma não se deixar seduzir pelo mundo do estrelato, tido por muitos como “maior do que a vida”; Vonnie insiste em dizer que convive bem com a ideia do anonimato e depressa conquista Bobby com a sua naturalidade e sensatez. O protagonista assume sentir-se dividido em relação a Hollywood, que tanto o fascina como o aborrece – à semelhança de Alvie Singer (Allen), a personagem principal de “Annie Hall”, a quem a futilidade de Los Angeles causa algum prurido. Vonnie seria perfeita caso não fosse comprometida – ainda por cima, com Phil Stern, algo que Bobby só descobrirá passado algum tempo; tempo suficiente para já ter alimentado a ilusão de que se casaria com Vonnie, com quem se mudaria para Nova Iorque.
Stern está longe de ser o mau da fita: apesar das hesitações, acaba por deixar a mulher, pedindo a secretária em casamento. Perante a obrigatoriedade de uma escolha, a jovem opta por ficar com o agente, deixando Bobby destroçado; depois de ter sido preterido, nada mais lhe resta que não seja regressar à terra natal, onde aceita gerir um clube nocturno a convite do irmão, Ben (Carey Stoll), um gangster de gatilho fácil. E é precisamente este clube que dará o nome ao filme, uma vez que é frequentado por toda a sociedade da costa leste – e não só: desde políticos a criminosos, todos se querem divertir no lugar mais badalado do momento. Uma das clientes é Veronica (Blake Lively), uma recém-divorciada a quem Bobby não resiste a convidar para uma actuação de jazz – obrigatório em qualquer longa-metragem de Allen. Bobby decide dar o nó e rapidamente se torna pai de família; longe parecem ir os tempos em que pretendia vingar em Hollywood.
Apesar de se ter convertido num “cidadão do mundo”, convivendo diariamente com os ricos e poderosos, não deixa de revelar toda a sua fragilidade mal revê Vonnie, que nunca conseguiu esquecer. E é aqui que Vittorio Storaro, responsável pela fotografia, demonstra todo o seu génio, investindo em planos de uma beleza extraordinária: nunca o Central Park teve um aspecto tão sublime. O jogo de cor e de luz transforma o cenário num ambiente onírico, intensificando o tom confessional dos protagonistas. Na verdade, é de sonhos de que este filme trata: de tudo o que não passou para a realidade, de tudo o que ficou no reino da fantasia. Em última análise, somos confrontados com o abismo a que a contingência nos condena, já que controlamos pouco ou nada do que nos vai acontecendo. Woody Allen oferece-nos um desfecho melancólico em torno do que poderia ter sido – e é esse desfecho que confere profundidade a toda a narrativa. Em suma, como recorda o cunhado de Bobby parafraseando Sócrates, uma vida sem reflexão não merece ser vivida; porém, quando já se perderam todas as ilusões, a alternativa não parece ser melhor.
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