(Pode conter alguns spoilers)
“Brooklyn”, realizado por John Crowley a partir da obra homónima de Colm Tóibín, faz-nos lembrar uma frase de Franklin D. Roosevelt que acabou por ficar célebre: “Não se esqueçam, nunca se esqueçam, que cada um de nós descende de emigrantes e de revolucionários.” E de que falamos quando falamos de emigrantes? De Eilis Lacey (Saiorse Ronan) que, em 1952, se vê forçada a emigrar para a América por falta de oportunidades na terra natal, Enniscorth, situada no sul da Irlanda. Quanto aos revolucionários, o único que encontramos aqui é Tony Fiorello (Emory Cohen), um italo-americano capaz de operar uma mudança profunda na cabeça de Eilis. No início da narrativa, deparamo-nos com uma jovem insegura, amedrontada perante a imensa “terra das oportunidades”, tão diferente do meio rural onde cresceu. Será preciso esperar cerca de meia hora para que a chispa aconteça: num baile organizado pelo Padre Flood (Jim Broadbent), através do qual Eilis arranjou emprego e prosseguiu os estudos, a irlandesa descobre, afinal, não ser o patinho feio que sempre se julgara. Tony, um aprendiz de canalizador, rapidamente a distancia daquela menina desamparada que nem sequer pode tossir na presença das autoridades quando desembarca em Ellis Island.
A auto-estima ganha mais um reforço de capital graças a Jim Farrell (Domnhall Gleeson, que também podemos ver em O Renascido), de quem Eilis se aproxima quando regressa à Irlanda por causa da morte inesperada da irmã, Rose (Fiona Glascott), de quem era próxima. O regresso não acontece, porém, sem antes se casar em segredo com Tony, facto que prefere ocultar de todos – até da própria mãe. Os encontros com Jim, tido como um bom partido, vão-se sucedendo e até a oportunidade de trabalhar como contabilista, área em que teve formação nos Estados Unidos, lhe é oferecida.
Longe vão os tempos em que as perspectivas profissionais e pessoais eram tão estéreis que permanecer acabou por se tornar uma impossibilidade. Que fazer? Ficar na Irlanda, abandonando um marido remediado e regressando às origens, ou partir novamente, abdicando de uma vida confortável junto de um homem afluente? Seja qual for a decisão, alguém sairá magoado. Miss Kelly, uma das razões por que Eilis partiu, acaba por desempenhar um papel providencial: será através dela – e da sua habitual mesquinhez – que a derradeira decisão é tomada.
O que parecia rumar à tragédia e ao arrependimento acaba por dar origem à serenidade, mérito do argumento de Nick Hornsby, que soube adaptar o texto de Tóibín com mestria. E os constantes grandes planos de Eilis fazem todo o sentido: é graças à expressividade de Saiorse Ronan, característica essencial para imprimir densidade à personagem, que a nomeação para o Óscar foi legitimamente conquistada. Depois de “Expiação”, a Academia volta a reconhecer – e bem – o trabalho da actriz, desta vez no seu primeiro papel como adulta. Uma palavra é devida a Julie Walters, inesquecível professora de dança em “Billy Elliot”, cujo desempenho como senhoria capaz de dar um voto de confiança a Eilis – entregando-lhe a chave de um quarto com acesso directo para a rua -, se torna determinante no futuro da relação desta com Tony.
Razão tinha o Padre Flood quando dizia a Eilis no início: “As saudades de casa (homesickness) são como a maioria das doenças (sicknesses) – acabam por passar.” E, de facto, passaram, dando lugar à tranquilidade. A tranquilidade que resulta de algo muito simples: a certeza de que pertencemos a um lugar.
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