52 filmes, 1 país convidado, 5 prémios, 3 debates, 2 workshops criativos, 1 masterclass, 1 concerto, 3 livrarias, 7 dias, 2 cinemas e mais de 10 realizadoras convidadas. São estes os números da 9ª edição do Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival, que irá decorrer a partir de hoje e até 20 de Novembro na Cinemateca Portuguesa e no Cinema São Jorge. Ficam as devidas apresentações.
OS FILMES
Entre as novidades deste ano, uma secção intitulada Olhares do Líbano, a primeira retrospectiva de cinema libanês em Lisboa. Organizada em colaboração com o Beirut International Women Film Festival (BIWFF), a retrospectiva apresenta uma selecção de longas e curtas metragens (documentário e ficção), produzidas entre 1974 e 2021, de realizadoras libanesas. O objectivo é oferecer uma amostra de uma das cinematografias mais ricas dos países de língua árabe e homenagear a comunidade artística e cultural de um país que representa um símbolo amplificado do universo do Mediterrâneo, por ser um concentrado de cultura, vitalidade e diversidade, mas também de conflitos contínuos e dramáticos.
A programação Olhares do Líbano arranca na Cinemateca Portuguesa entre 14 e 16 de Novembro com quatro longas-metragens (ficção e documentário) e duas curtas, e continua no Cinema São Jorge com um documentário e duas curtas-metragens, num total de nove obras.
As sessões na Cinemateca Portuguesa contam com a presença de Sam Lahoud, director do BIWFF, e da realizadora Heiny Srour, que apresentará o documentário revolucionário The Hour of Liberation Has Arrived (1974) – primeiro filme de uma cineasta árabe a ser exibido no Festival de Cannes e distribuído mundialmente –, e Leila and the Wolves (1984), obra que combina vários géneros cinematográficos para revelar o papel invisível das mulheres palestinas e libanesas nas lutas anticoloniais do século XX. O filme foi exibido na secção Classici Fuori – Mostra do Festival de Veneza 2022 e foi incluído pela ONU na lista dos filmes imprescindíveis na Década das Mulheres.
Ainda na Cinemateca, serão exibidos: A Civilised People (1999), de Randa Chahal (1953-2008), comédia negra e corrosiva sobre a loucura da guerra civil (selecção oficial no Festival de Veneza 1999); Scheherazade’s Diary (2013), de Zeina Daccache, documentário multipremiado sobre uma experiência de teatro com as reclusas da prisão de Baabda (Líbano); as curtas Barakat (2020), de Manon Nammour, declaração de amor por Beirute e denúncia da transformação do centro da cidade num monumento vazio ao luxo; e Then Came Dark (2021), de Marie-Rose Osta, conto sombrio, em que uma árvore arrancada e arrastada como um cadáver numa floresta nas montanhas simboliza a destruição da natureza e as suas inevitáveis consequências.
A retrospectiva Olhares do Líbano continua no Cinema São Jorge com o documentário Beirut: Eye of the Storm (2021), de Mai Masri, que registra, através das vivências de quatro jovens mulheres artistas, os dramas mais recentes da História do Líbano com a revolução de 2019 e a explosão no porto de Beirute a 4 de Agosto de 2020. As revoltas de 2019 são também o ponto de partida da curta metragem Roadblock (2020), de Dahlia Nemlich, em que Farah e o seu namorado franco-libanês são mandados parar por milicianos armados num posto de controlo improvisado, como se a guerra civil nunca tivesse acabado. Finalmente Warsha (2021), de Dania Bdeir – premiado como Melhor Curta Internacional no Festival Sundance – oferece uma perspectiva marcadamente contemporânea, e ao mesmo tempo surreal, sobre Beirute, vista a partir de um guindaste, no sonho de liberdade queer de um refugiado sírio.
Os Olhares do Mediterrâneo não se ficam pelo Líbano e trazem a Lisboa filmes produzidos em mais de 25 países que serão apresentados no Cinema São Jorge entre 17 a 20 de Novembro em diferente secções – Mostra Longas-metragens, Competição Geral Curtas, Competição Travessias, Competição Começar a Olhar – e uma sessão especial de homenagem às Novas Cartas Portuguesas.
A cerimónia de abertura oficial decorre no dia 17 de Novembro, às 21h30, com o filme Murina (2021). Esta co-produção da Croácia, Brasil, EUA e Eslovénia, que conta com Martin Scorsese entre os produtores executivos, é a primeira longa-metragem da realizadora croata Antoneta Alamat Kusijanovic. Vencedor da Câmara de Ouro como melhor primeira obra no Festival de Cannes 2021, o filme é uma obra tensa, onde a luz e a escuridão lutam para se impor no ecrã e a violência está sempre prestes a explodir. Julija é uma adolescente inquieta que vive com um pai opressivo, Ante, e uma mãe submissa, Nela, numa ilha paradisíaca na costa croata. Quando recebem uma visita de um velho amigo de família com o qual Ante espera fechar um negócio, a tensão explode e o machismo que define as dinâmicas da família e da comunidade é revelado em todas as suas manifestações. Durante um fim-de-semana assombrado pelo desejo e a raiva, Julija, como explica a realizadora: “desafia poder do pai e, como uma moreia que é capaz de se morder a si própria para se libertar dos pescadores, recusa seguir o caminho que os outros têm definido por ela”.
O filme de encerramento, no dia 20 de Novembro, às 19 horas, Under the Fig Trees (2022), da realizadora franco-tunisina Erige Sehiri, é uma co-produção da Tunísia, França, Suíça, Alemanha e Qatar que estreou, este ano, em Cannes, na Quinzena dos Realizadores. Filmado com luz natural ao longo de um dia, desde a madrugada até ao pôr do Sol, retrata um grupo de raparigas e rapazes que trabalham na colheita de Verão. Cada um tem a sua história, as suas ambições, as suas mágoas. Enquanto deambulam entre as figueiras, desenvolvem um diálogo polifónico contínuo, que cria uma narrativa pessoal, mas também político-social, porque aponta para a falta de oportunidades e liberdade das jovens que procuram vias de fuga da pobreza, do meio rural e da organização social que as oprime. Interpretado por actores não profissionais, o filme oferece uma visão não estereotipada das mulheres muçulmanas, salientando as escolhas pessoais de cada uma em relação à tradição, não só através do que
dizem, mas também pelos pequenos gestos e os detalhes: o véu de Sana e Malek é bem atado, o echarpe de Fidé continua a soltar-se e cair, mas todas vivem o seu dia a dia com impaciência e inquietação.
É uma produção tunisina também I’ll Go to Hell (2021), de Ismahane Lahmar. Censurado no Egipto, este drama conta a história de uma mulher que quer decidir como viver os últimos dias da sua vida, contra a vontade da família e das imposições religiosas e sociais. Na mesma sessão é projectada a curta Chitana (2021), co-produção da Tunísia, Qatar e Noruega, da realizadora Amel Guellaty, vencedora do Prémio do Júri Melhor Curta nos Olhares do Mediterrâneo 2019, com Black Mamba.
Entre as longas-metragens desta edição dos Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival destacamos ainda o drama italiano The Den (2021), de Beatrice Baldacci, que estreou no Festival de Veneza em 2021, e The Consequences (2021), de Claudia Pinto Emperador, co-produção de Espanha, Países Baixos e Bélgica. A projecção de ambos os filmes contará com a presença em sala das realizadoras. Duas histórias dramáticas com protagonistas e ambientações muito diferentes que exploram as emoções profundas que caracterizam as relações familiares: o medo de perder a mãe, em The Den, o terror de não ser capaz de proteger os filhos, em The Consequences.
O Festival conta também com a presença de Daniela Guerra, realizadora do documentário português Ary (2021), sobre a transição de género de Ary Zara Pinto, e as realizadoras de várias curtas internacionais: Angela Norelli (Children Love to Hide, 2021, Itália); Rowan Aldib (Those Who Survived the Heat, 2022, Egipto); Anaïs Baseilhac (Half-Time, 2020, França); Carmen Pedrero (Winds of Springtime, 2021, Espanha) e Nuría Torreño, (Big Box, 2021, Espanha). (NOTA: A lista de convidadas é ainda provisória e poderá haver mais realizadoras presentes durante o Festival)
Entre os inúmeros temas tratados nas obras que concorrem na Competição Geral Curtas encontramos a sexualidade e o prazer feminino, explorados em forma directa em Sex Relish (A Solo Orgasm) (2021, França), de Ananda Safo; Granny’s Sexual Life (2021, Eslovénia-França), de Urška Djukić e Émilie Pigeard; Lia (2021, Itália) de Giulia Regini; e Daphne (2022, Chipre e Grécia), de Tonia Mishiali, já presente nos nosso Festival em 2019 com a longa-metragem Pause. É uma produção grega também Memoir of a Veering Storm (2022), de Sofia Georgovassili. Apresentado em estreia na secção Generation 14plus da 72.a Berlinale, narra o dia de Setembro em que Anna, com 15 anos, saiu às escondidas da escola para ir ao hospital com o seu namorado e a sua melhor amiga.
Na Secção Especial Travessias, onde podemos ver filmes sobre refugiados, migrações e colonialismo, competem este ano seis curtas metragens: Ruso (2021, Israel), de Eti Tsicko, sobre um dia diferente na vida de uma empregada de limpeza em Israel; You Can’t Automate Me (2021, Eslovénia e Países Baixos), de Katarina Jazbec, documentário em que trabalhadores portuários tatuados e movimento poético se encontram; Mehret Goes East (2022, França), de Cécil Chaignot, comédia amarga sobre uma refugiada que desembarca por engano na Córsega, na tentativa de chegar a Itália; We Used to Sing (2021, Israel), de Lidia Mozorov, retrato intimista e agridoce de três gerações de judias russas forçadas pelas circunstâncias a viver juntas; Red Gold (2021, Espanha), de Carme Gomila, sobre a revolta das mulheres marroquinas que trabalham nas estufas de Huelva; e a animação Maram (2020, Grécia), de Efi Sialevri e Vicky Yiagopoulou, que conta o primeiro dia de escola de uma criança síria refugiada em Lesbos. Na mesma secção compete também a longa-metragem Room Without a Window (2021, Áustria, Alemanha, Líbano), de Roser Corella. Com este título, que recebeu o Prémio Amnistia Internacional, DocsBarcelona, voltamos ao Líbano. Desta vez, pelos olhos de uma realizadora espanhola, que retrata a dura realidade das trabalhadoras domésticas no Médio Oriente, num documentário que denuncia um sistema de moderna escravatura, reflectindo ao mesmo tempo sobre o papel das mulheres e do trabalho doméstico nas sociedades capitalistas.
Concluímos esta série de destaques da programação cinematográfica dos Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival com um destaque para as obras portuguesas. Além do documentário Ary, citado acima, o programa inclui diversas curtas-metragens, que abrangem filmes de realizadoras experientes como Madrugada (2021), de Leonor Noivo, e de jovens no início da carreira que concorrem na secção Começar a Olhar – Filmes de Escola: Hysteria (2021), de Luísa Campino; Mesa Posta (2022), de Beatriz de Sousa; Vergôntea (2022), de Sara Carregado. Estas obras, juntamente com O Maravilhoso Mundo de Miguel (2021, Portugal, Hungria, Bélgica), de Ghada Fikri, concorrem para o recém instituído Prémio INATEL para melhor filme de escola português.
Numa sessão especial de acesso gratuito, apresentamos também, em estreia mundial, Novíssimas Cartas Portuguesas (2022), um documentário colectivo de 45 minutos produzido por Irina Pampim e Cecília Honório para celebrar os 50 anos da publicação das “Novas Cartas Portuguesas”.
OLHARES PARA AS ESCOLAS E AS CRIANÇAS
Como já é tradição, também este ano há sessões escolares no Cinema São Jorge nas manhãs de quinta e sexta-feira e, no domingo de manhã, pelas 11 horas, uma sessão para famílias com as animações Maram (da Competição Travessias), Big Box (2021, Espanha), de Nuría Torreño, e as curtas O Maravilhoso Mundo de Miguel (2021), de Ghada Fikri, e Robots and Daisies (2022, Itália), de Viola Folador.
Este último será também o ponto de partida do atelier de cinema Olhares em Pequenino para crianças dos 8 aos 11 anos, com Maria Remédio, no sábado, 19 de Novembro, às 11 horas (inscrição obrigatória olharesdomediterraneo.reservas@gmail.com).
PARA ALÉM DOS FILMES
Não só as crianças terão direito às actividades para além dos filmes! Na quinta-feira, 17 de Novembro, às 18 horas, a realizadora Heiny Srour dá a masterclass Making World-Changing Films. A partir das histórias das dificuldades e perigos encontrados na realização dos filmes The Hour of Liberation Has Arrived e Leila and the Wolves, e o seu impacto político e social, falar-se-á do potencial transformativo do cinema, numa óptica anticolonial e feminista.
Sábado 19 de Novembro, às 14 horas, as artistas libanesas Maya Hage e Kristy Tager, criadoras da plataforma Efata – Ateliers Nomades, orientam o workshop criativo Unraveling Freedom, onde os participantes serão convidados a refletir sobre os limites invisíveis, mas persistentes, que acabam por determinar as nossas formas de pensar, sentir ou ser. Ao nomear esses constrangimentos, para depois ponderar sobre as palavras e a sua contrapartida visual, os participantes irão explorar outras percepções daquilo que limita a nossa liberdade, através da prática da arte, para poder vir a superá-los (actividade gratuita com inscrição obrigatória: olharesdomediterraneo.reservas@gmail.com).
Haverá ainda espaço para vários debates: a 17 de Novembro, os documentário Taqi (2021, Palestina), de Aleen Shoufrani, e Erasmus in Gaza (2021, Espanha), de Chiara Avesani e Matteo Delbò dão o mote para o debate Palestina: quotidianos e resistências, com Carlos Almeida (Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente; CH-ULisboa), Dima Mohamed (IFILNOVA NOVA FCSH) e Giulia Daniele (CEI-ISCTE). No dia 19 de Novembro, o documentário Room Without a View (2021, Áustria-Alemanha-Líbano), de Roser Corella abre o caminho para um Debate Travessias intitulado Por trás das persianas e redes internacionais: Trabalho doméstico e tráfico de pessoa; e no dia 20 de Novembro o documentário português Ary (2021), servirá para introduzir um debate sobre transexualidade no qual irão participar a realizadora Daniela Guerra, o protagonista do filme, Ary Zara Pinto, Daniela Bento (ILGA), Sandra Saleiro (CIES-ISCTE), e uma representante da Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual (AMPLOS).
Finalmente, no domingo 20 de Novembro, a seguir à sessão de encerramento, dançaremos no Foyer do Cinema São Jorge ao ritmo dos Malotira, banda de música tradicional com um repertório extenso de canções de tradição grega, italiana, slava, sefardita e romani, que cria uma poderosa fusão, mostrando como a música pode oferecer espaço para diálogos e trocas culturais. Com Elisabetta Marcora (voz), Ruben Leonardi (percussões), Josefa Dobraszczyzki (acordeão), Robin Timmis (violino), Salvatore Ciotta (guitarra).
Todas as actividades “para além dos filmes”, à excepção do atelier Olhares em Pequenino, são de acesso geral e gratuito, mediante recolha de bilhete no limite dos lugares disponíveis.
ACESSIBILIDADE ONLINE
Na continuação de uma parceria com a coordenação de acessibilidade da Sintagma e com a FILMIN Portugal, repetimos a sessão acessível a pessoas surdas e com deficiência visual criada em 2020. Esta sessão estará disponível unicamente na FILMIN Portugal de 14 a 20 de Novembro e exibirá seis curtas portuguesas que já participaram no Festival em 2020 e 2021. O trabalho de audiodescrição foi realizado por alunos do curso “Audiodescrição para Cinema” e coordenado pela especialista Eliana Franco. A audiodescrição e a LSE contaram com a consultoria de profissionais cegos e surdos. Os filmes disponíveis são: Claudete e o Bolo (Fádhia Salomão, 2020); Still Life (Francisca de Abreu Coutinho, 2018); Cellfie (Débora Mendes, 2019); Sonder (Ana Monteiro, 2020); Teus Braços, Minhas Ondas (Débora Gonçalves, 2019); Flor de Estufa (Laís Andrade, 2021).
Olhares do Mediterrâneo – Women Film Festival é o primeiro festival de cinema no feminino em Portugal, e é o único dedicado à cinematografia da bacia do Mediterrâneo. O Festival é um projecto do grupo Olhares do Mediterrâneo e do CRIA (Centro em Rede de Investigação em Antropologia).
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