“Se tens medo da solidão, não te cases.” Até certo ponto, “Anomalisa” (2015) parte desta premissa de Tchékhov: Michael Stone, um guru da motivação empresarial que ficou famoso graças à obra “How May I Help You Help Them?”, chega a Cincinnati sob uma crise de meia-idade. Logo no início, ficamos a saber que aquela é a cidade onde vive uma ex-namorada, a quem Michael acaba por ligar numa tentativa desajeitada de explicar por que motivo a largou sem qualquer justificação há mais de uma década.
O problema é que também ela tem o aspecto – e a voz – de todos os que o rodeiam, acentuando a crise de identidade que o atormenta. Não é por acaso que o hotel onde se hospedou se chama Fregoli, numa clara alusão ao distúrbio psiquiátrico que leva o doente a acreditar que todos são a mesma pessoa excepto o próprio. E, de facto, todos parecem e soam iguais (notável trabalho de Tom Noonan): o taxista, os funcionários do hotel, a antiga namorada, a mulher, o filho.
Até que surge Lisa, que se destaca pela diferença – e cuja originalidade parece uma anomalia. Michael, que se sentia desorientado até àquele instante, ganha novo alento – e uma nova experiência sexual. Há muito que não se via em cinema uma cena de sexo tão original e inesperadamente tocante como esta entre duas criaturas solitárias e perdidas no anonimato de um grande hotel.
Esta noite especial, porém, rapidamente chega ao fim; e o compromisso que trouxe Michael a Cincinnati – no caso, uma conferência – atrai, mais uma vez, as dúvidas existenciais. Parece não haver saída para aquela vida conjugal sensaborona e incaracterística dos últimos anos. Ou haverá?
Charlie Kaufman e Duke Johnson, realizadores desta animação em stop motion, descortinam um epílogo tão engenhoso como ambíguo – até porque, às vezes, um novo dia ajuda a iluminar as ideias; e, evocando a canção Girls Just Wanna Have Fun, de Cyndi Lauper, central nesta história, a única coisa de que precisamos para esquecermos as nossas misérias é de caminhar ao sol.
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