Woody Allen está (tão) presente na vida de qualquer cinéfilo há tanto tempo que custa a acreditar já terem decorrido 40 anos desde a estreia de “Annie Hall”. Embora “A Guerra das Estrelas” tenha batido todos os recordes de bilheteira em 1977, a Academia de Hollywood acabou por se render a esta comédia, atribuindo-lhe alguns dos Oscars mais importantes: melhor realizador (Woody Allen), melhor actriz (Diane Keaton) e melhor argumento original (Allen em colaboração com Marshall Brickman).
Poucos cineastas ainda vivos serão capazes de abordar com tanta mordacidade um tema tão melancólico: a transitoriedade das relações amorosas. Alvy Singer, alter-ego de Allen, reflecte sobre a incompatibilidade que condenou o relacionamento com Annie Hall ao fracasso, ainda que não duvide tratar-se da mulher mais importante da sua vida. Singer sente que a história de ambos ficou aquém das potencialidades, sendo que o mesmo se aplica à visão que ele tem da própria vida. Isto fica bem patente quando nos conta uma piada sobre duas mulheres num resort em Catskills: “A comida é horrível”, comenta uma delas. “Sim”, responde a outra. “E as doses são miseráveis.”
Embora esta metáfora ilustre o pessimismo do comediante, não deixa de querer mais e mais apesar da escassez – afinal, faz parte da natureza humana. Singer cresceu num bairro pobre de Brooklyn, bem próximo de uma montanha russa ruidosa, e desde cedo se habituou a bombardear a mãe com perguntas em torno do vazio existencial. Se o universo está em expansão permanente, o colapso acabará por acontecer mais cedo ou mais tarde; logo, como é possível ter fé no futuro quando somos assombrados por uma perspectiva tão negra? Estas preocupações de um miúdo de nove anos talvez expliquem por que motivo acabará por se converter num adulto depressivo e inseguro, pese embora ganhe a vida a fazer comédia.
Annie, por seu turno, não é assim tão diferente; apesar da beleza, as paranóias também moram na sua cabeça, transformando cada momento íntimo num suplício. O medo de estar com quem quer que seja é tão avassalador que o recurso à marijuana se torna indispensável; perante este cenário, o mais que Singer pode fazer é comprar uma lâmpada vermelha – para tornar a coisa “sexy”.
No fundo, o filme aborda preocupações que são comuns a muitos de nós, com a vantagem de nos fazer rir a cada passo. E, embora se reflicta sobre uma enormidade de temas – política, Hollywood, psicanálise, sexo -, o tom é sempre bem-humorado, tendo algumas das one-liners ficado para a história do cinema – mesmo quando tudo caminha para o abismo, muito por causa da personalidade neurótica de ambas as personagens. A dada altura, longe da cumplicidade demonstrada nos diálogos iniciais, Annie e Singer reconhecem junto dos psicoterapeutas que não é possível continuar – embora tenham assumido o compromisso de tudo fazerem para ficarem juntos.
Singer acaba por perder a sua “Liv Ullmann” (recorde-se que Ingmar Bergman sempre foi o realizador favorito de Allen), mas isso é algo que já sabíamos à partida; ainda assim, a fé no amor não fica irremediavelmente comprometida. Desaires à parte, há disposição para mais uma piada: “Um homem comenta com o psiquiatra: ‘o meu irmão é maluco: está convencido que é uma galinha!’; ‘E por que não o interna?’, pergunta o psiquiatra?’ – ao que o doente responde: ‘Porque preciso dos ovos!’” Singer admite sentir o mesmo em relação ao amor: os relacionamentos podem ser irracionais e absurdos, mas não conseguimos desistir porque precisamos dos ovos.
Woody Allen sempre disse que o amor é a resposta, mas enquanto esperamos pela resposta, o sexo levanta questões bastante pertinentes. Amor? Isso leva-nos para uma das declarações mais originais de sempre: “I luuurve you, you know, I love you, I luff you, two F’s, yes”. Woody, we love you, too!
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