“Animais Nocturnos” (“Nocturnal Animals” no original) é o primeiro filme que Tom Ford dirige desde “Um Homem Singular” (2009), onde encontrávamos um Colin Firth à beira do precipício devido à morte do companheiro. Uma vez mais, Ford leva uma história de amor ao grande ecrã, embora, desta feita, com contornos bem mais sombrios. Partiu de um romance de Austin Wright, Tony and Susan (1993), e deu forma a um thriller electrizante, pejado de suspense e violência.
Desde logo somos “agarrados” pela originalidade do genérico, povoado por uma série de mulheres obesas, quase integralmente despidas; bamboleiam-se olhando de frente para a câmara em tom provocatório e parecem não ter quaisquer preconceitos relativamente ao excesso de peso – algo surpreendente numa era em que a magreza é sinónimo de ideal estético. Observamos esta cena burlesca ao mesmo tempo que ouvimos uma portentosa banda sonora, criada por Abel Korzeniowski, um dos pontos fortes de “Animais Nocturnos”. As strippers fazem, afinal, parte de uma instalação artística: estamos na galeria de Susan Morrow (Amy Adams) e a exposição rebela-se contra o excesso de artificialidade plástica em que muitos caíram.
E rapidamente percebemos onde Susan quer chegar: embora viva numa mansão tão luxuosa que nem parece destinada a mãos humanas, a vida perfeita não passa de uma miragem: o casamento com Hutton (Armie Hammer), um tubarão da alta finança, está em declínio, e a opulência resume-se a mera fachada: na verdade, o casal limita-se a manter as aparências, motivo pelo qual Hutton parte inesperadamente para Nova Iorque em busca de um negócio que salve a honra do convento. Sozinha uma vez mais, Susan decide começar a ler o manuscrito que Edward (Jake Gyllenhaal), o ex-marido, lhe enviou. E é aqui que somos levados para um mundo completamente diferente, destituído do mais ínfimo módico de glamour: “Animais Nocturnos”, o título do manuscrito, transporta-nos para o Texas, onde a personagem de Gyllenhaal viaja de carro com a mulher e a filha a meio da noite, sendo surpreendidos por um grupo de delinquentes que os empurra para fora da estrada. O líder do gangue é Ray (Aaron Taylor-Johnson), um vândalo que exerce um terrorismo psicológico tão agudo que até o cinéfilo mais experiente tem dificuldade em digerir. A cena arrasta-se de forma penosa sem nunca se tornar enfadonha: muito pelo contrário. Trata-se de uma sequência cuja intensidade assume um carácter inebriante e o desfecho não podia ser mais tenebroso. Embora esperássemos um desempenho heróico no combate a toda esta violência gratuita, o pai de família acaba por admitir ser demasiado fraco para fazer frente aos bullies.
Sempre que regressamos ao quarto de Susan, apercebemo-nos de que nada disto pode sequer ter acontecido; no entanto, tal como ela, somos levados a acreditar que sim. Realidade e ficção misturam-se de forma engenhosa, instalando um clima de incerteza. Em paralelo, conhecemos a história de Susan e Edward, que cresceram juntos no Texas. Quando, alguns anos mais tarde, se reencontram em Nova Iorque, decidem dar o nó – apesar dos protestos da mãe de Susan (extraordinária Laura Linney). Contudo, Edward é mais uma vez acusado de “fraqueza”, pois, na opinião de mulher, não reúne as qualidades necessárias para garantir uma vida confortável: poderá ficar eternamente condenado a trabalhar numa livraria caso o grande romance que pretende escrever nunca seja publicado. Daí até ser trocado por Hutton vai um pequeno passo.
“Animais Nocturnos” interrelaciona passado e presente de um modo habilidoso, criando todas as condições para que a vingança se materialize com requintes de uma subtileza pérfida. E se o filme começa de forma surpreendente, o mesmo se pode dizer da cena final; por vezes, fazemos as escolhas erradas e o preço a pagar acaba por ser demasiado alto – o passado regressa quando menos esperamos e atira-nos para o cadafalso.
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