Entre 1993 e 2003 ou, por outras palavras, entre o disco homónimo de estreia dos Tindersticks e “Waiting for the Moon” (City Slang, 2016), a banda natural de Notthingham habituou os fãs ao lançamento de álbuns de originais a cada dois anos. Essa cadência coincidiu com uma das fases mais criativas do colectivo, liderado pela voz quente e aconchegante de Stuart Staples. Depois disso, nomeadamente em 2005 – quando o vocalista encetou uma breve aventura a solo -, pairou no ar a ameaça do final da banda. Apesar disso, timidamente, os Tindersticks voltariam ao activo ainda que com algumas mexidas no seio da banda. Na ressaca desse período de incerteza saíram discos como “The Hungry Saw” ou “Falling Down a Mountain”, este editado entre a mítica 4AD e a canadiana Constellation Records e “The Something Rain”, lançado em 2012.
E foi preciso chegarmos a 2016 para termos mais notícias da banda, com um resultado muito interessante. “The Waiting Room” faz-nos acreditar que os Tindersticks continuam com a capacidade de construir canções que reflectem sussurradas perspetivas de uma vida atormentada por uma das suas maiores ameaças: o quotidiano.
Requintadas e nascidas com os habituais (e sempre bem-vindos) tiques do universo de Staples e comparsas, as 11 canções de “The Waiting Room” mergulham-nos em cenários dignos de um interessante e rebuscado film-noir, procurando sentimentos como a redenção ou a esperança e, a espaços, agindo como faróis num porto de abrigo junto a um mar revolto.
Esteticamente (um dos pontos mais fortes da banda) este disco reflecte, também, um esforço para criar algo de especial. Para isso recorreram a alguns realizadores como Claire Denis, um colaborador habitual, e montaram uma série de pequenos-filmes (disponíveis da versão LP/DVD) que se assumem como um importante complemento à própria música, resultando em momentos de meditação visual.
Musicalmente, a produção deste disco transmite a sensação de que o som foi arrancado de uma certa (e apática) escuridão para um túnel de maior luz e clarividência. As cordas são, agora, menos opressivas e, por exemplo, as guitarras emergem de uma névoa de reverb. A sua presença é alvo de maior tolerância apesar de conviverem, tranquilamente, com outros instrumentos.
Dessa comunhão resultam episódios que vagueiam entre uma (doce) melancolia e ambientes mais “musculados”. O instrumental “Follow Me”, primeira faixa do disco, por exemplo, é uma avassaladora e terna experiência que tem por fio condutor uma harmonia hipnótica que nos empurra para um ambiente próximo de western spaghetti. Já “Were We Once Lovers?”, repleta de verve, assalta os nossos sentidos para uma fantástica noção de urbanidade com, principalmente, piano e baixo a acompanharem o lamento de Staples.
A curtinha “Planting Holes” é um dos momentos mais bonitos do disco e está cheia de um acutilante apelo emotivo em versão “banda sonora”, algo que os Tindersticks fazem como poucos. O piano tem um papel decisivo enquanto, à sua volta, pequenos e singelos estilhaços sonoros sublinham uma maravilhosa noção global. Mais pop, “Hey Lucinda”, cantada entre Staples e a saudosa Lhasa de Sela, é um profundo elogio ao género baladeiro e algo “decadente”, assim como “We Are Dreamers”, momento partilhado com Jehnny Beth das Savages, que se assume como um apelo ao perverso acto de sonhar.
Ainda que tenhamos que reconhecer que os Tindersticks não são os mesmos dos primeiros tempos, continua a existir muita qualidade nas suas canções, e nem o género mais spoken word foi esquecido – “How He Entered” é exemplo disso mesmo, assim como da habilidade em fazer poemas lindíssimos: “With his hair combed he stood in the doorway / like a lost dog holding his missing poster / with chips in his pocket / just waiting for his chance to get into the game.”
The Waiting Room” mostra que os Tindersticks continuam a fazer bons discos, colecções de canções repletas de intrincados poemas e um saudável apego (muitas vezes negro e sofrido) sonoro. A grandiosidade permanece imaculada, e o resultado final vai agradar a fãs de longa data bem como a novos e curiosos ouvintes. A culpa é do sentimento de “eterno retorno” com o qual se constroem as músicas deste trabalho, uma espécie de regresso a um lugar onde já se presenciou a felicidade e que, sem medo, voltamos invariavelmente a abraçar.
Sem Comentários