O dia de amanhã marca o início da competição de longas-metragens da Monstra – Festival de Animação de Lisboa, com a exibição no Cinema S. Jorge – às 22h00 – de “O Profeta” (no original, “Kahlil Gibran’s The Prophet”), competição que se estenderá diariamente até ao dia 12 de Março, véspera do encerramento da Monstra.
A adaptação da obra inadaptável de Kahil Gibran é possível graças à vontade da produtora Salma Hayek (que também dá voz a uma das personagens, Kamila, na versão inglesa) de contactar o veterano Roger Allers (“O Rei Leão”; “Open Season – Boog e Elliot Vão à Caça”), para criar um enredo que unisse os textos poéticos que compõem a obra homónima de Gibran. Tendo Allers sido leitor da mesma durante os tempos de faculdade, não recusou o desafio; já Hayek vinha a gravitar em torno dos textos inspiracionais/proto-motivacionais de Gibran, através das memórias que, com toda a certeza, ainda guarda do seu avô libanês, tornando a versão animada de “O Profeta” um projecto pessoal e intimista, algo que transparece a priori.
À parte da obra sem enredo, Allers, também guionista, conta-nos a história de Almitra, uma criança traumatizada pela morte do pai, recusando-se a falar desde então (com excepção às conversas em gazeio que tem com garças…). A mãe, Kamila, começa a sentir a filha como um fardo, mas nunca a priva de amor. É governanta de um preso político, domiciliário, o enigmático Mustafa, que volta e meia tem a panca de falar em verso de forma tão bela e lúcida, que revolve o sentimento íntimo de todos os que lhe escutam com atenção. Através deste mesmerizar espiritual, é capaz de melhorar as vidas dos ouvintes, onde se inclui Almitra, que o conhece por acidente enquanto faz o diabo a quatro à mãe.
É precisamente quando Mustafa se inspira e o texto do filme passa a reproduzir os ensinamentos poéticos de Gibran (apontamentos sobre o casamento, passando pela família, até ao trabalho, textos reproduzidos de forma fiel da “bíblia contra-cultura” dos baby boomers que consagraram o dito autor libanês), que a animação orquestrada por Allers dá lugar a interlúdios com expressão mais livre.
Com assinatura de animadores convidados, como Paul e Gaëtan Brizzi, Joan C. Gratz ou Mohammed Saeed Harib, a quebra faz-se sentir pouco de início, mas após repetir-se a espaços mais curtos sentimos a síntese do guião de Allers e a dificuldade em adaptar-se um livro sem trama, correndo riscos de sacrificar a coesão narrativa que o público alvo de Salma Hayek exige. Ainda assim, o eco dos grandes clássicos de animação da Disney dos áureos anos 90, com a animação tradicional a imperar sobre o cada vez mais dominante CG – e aquele inocente humor slapstick que anima o público infantil -, faz de “O Profeta” uma obra nostálgica, mesmo quando, pelo lado mais adulto da coisa, lida com temas que eram, são (e serão?) sempre actuais, como a censura e a liberdade de expressão.
A 16ª edição da Monstra – Festival de Animação de Lisboa decorre entre 3 a 13 de Março. Consulte toda a programação no site oficial.
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