Foi sob o signo da portugalidade, depois de uma chegada à Póvoa celebrada por um mar em rebuliço, que arrancou o primeiro dia das Correntes d`Escritas, que teve como presente de boas-vindas um concerto comentado com – e que serviu de homenagem a – Victorino D’ Almeida e Aurelino Costa e que teve ainda com a participação, em jeito de remate poético, de Aurelino Costa, que recitou poemas de António Nobre e António Gedeão. Poemas situados entre o mar revolto e o truca-truca, barulho que, “pedreiros de profissão, de sombrias cataduras“, faziam insistentemente enquanto modelavam “ternas figuras na lentidão dos calcários“, numa insistência satânica que o piano de Victorino tratou de exaltar condignamente.
Pretendendo homenagear um conjunto de figuras portuguesas mais ligadas ao lado sinfónico e orquestral, Victorino e Aurelino foram do fado da desgraçadinha à valsa vienense, esta última, na sua versão pré-revolução, apontada pelo maestro como “a apologia do vinho, reaccionária, similar ao fado pelas suas letras medonhas.”
Sempre em clara aceleração, Victorino esteve igual a si próprio, com muito humor e ainda mais ironia e sarcasmo, falando do Malhadinhas – essa personagem saída da imaginação de Aquilino Ribeiro – como um varredor de feiras, trazendo à baila uma história sobre uma tal de Madame Smerda ou recorrendo aos seus tempos de tocador de piano vienense, em que o deixavam partir a louça toda a partir das onze da noite a tocar Beethoven e Mozart e, qual after hours servido em flutes de teclas brancas e pretas, escalas mais atrevidas a partir da uma da madrugada.
Recordou-se também a reinvenção da valsa vienense, promovida pelo próprio maestro juntamente com a actriz e cantora austríaca Erika Pluhar e o guitarrista búlgaro Peter Marinoff, numa digressão imensa que, a certa altura, contou com a participação do génio Carlos Paredes. E ouviu-se essa voz imensa que pertenceu a Amália Rodrigues.
Entre fotografias e vídeos que iam passando em grande plano, a peça de Inês Fonseca Santos para o saudoso Câmara Clara serviu para apresentar a vida do maestro em dois minutos, ele que, nas palavras de Aurelino, é entre muitas coisas um “mestre de viajar clandestinamente“. E é pela Póvoa o Deus Me Livro, ainda que longe da clandestinidade, continuará a viajar nesta 17ª edição das Correntes que muito promete.
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