O início de 2016 ficou marcado por uma mortandade anormalmente alta no seio do mundo das artes. No entanto, a que terá custado mais a ultrapassar terá sido a de David Bowie, até pela forma como aconteceu – de surpresa e poucos dias após o lançamento do álbum “Blackstar”. O impacto foi grande e, por todo o mundo, foram escritas linhas e linhas sobre as suas várias facetas, descritos a pente fino os mais e menos ortodoxos perfis e a sua música analisada até à exaustão. Contudo, passou algo ao lado a sua faceta de actor, bem mais expressiva do que um primeiro e distante olhar poderá supor– e até porque Bowie não era nada mau nas artes da representação. Afinal de contas, haverá profissão mais indicada para um camaleão?
Sem qualquer ordem em particular, eis um top dos cinco dos melhores filmes de David Bowie.
A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese (1988)
David Bowie interpretou uma série de personalidades históricas ao longo da sua carreira cinematográfica. Ele foi Nikola Tesla em “O Terceiro Passo”, Andy Warhol em “Basquiat” ou Pôncio Pilatos em “A Última Tentação de Cristo”. Nesta adaptação da obra homónima de Nikos Kazantzakis, Scorsese criou polémica ao humanizar Jesus Cristo (e ao filma-lo em nu frontal) e, quando este entra em Jerusalém para destruir o templo, fá-lo ao som de Peter Gabriel e com as pupilas dilatadas, mas a verdadeira estrela rock do filme era outra: enquanto Pilatos, David Bowie deixou o povo escolher e lavou as mãos da decisão difícil de perdoar ou castigar o tal Rei dos Judeus.
Labirinto, de Jim Henson (1986)
Antes de haver Harry Potters e Narnias, o mundo juvenil de sword and sorcery não era muito vasto. “História Interminável” era praticamente o favorito de quase toda a gente e, logo a seguir, vinham empatados “A Lenda da Floresta” e “Labirinto”. Claro que este último ganha vantagem: tem o universo mágico (e ligeiramente anarquista) das marionetes de Jim Henson e David Bowie na pele do Rei dos Goblins, o mauzão que rapta o irmão bebé de uma muito novinha Jennifer Connelly. E Bowie ainda assina a banda-sonora, na sua única (e bem sucedida, diga-se) incursão pelo mundo dos mais novos.
Fome de Viver, de Tony Scott (1984)
Tony Scott será sempre recordado como: a) o irmão de Ridley Scott; b) pelos filmes cheios de filtros, truques e efeitos especiais. Contudo, poucos se lembram que, quando se estreou nas lides cinematográficas, Scott fê-lo com um filme de culto de vampiros, onde juntou David Bowie, Catherine Deneuve e Susan Sarandon. “Fome de Viver” é um filme atmosférico, com vampiros metade góticos metade barrocos, os Bauhaus a cantar e uma história que serve de metáfora à vida eterna, numa espécie de negativo de “O Retrato de Dorian Gray”.
O Homem Que Veio do Espaço, de Nicolas Roeg (1976)
Último flirtanço com o glam de David Bowie – que acabava de enterrar Ziggy Stardust e estava prestes a criar o Thin White Duke -, “O Homem Que Veio do Espaço” é o filme em que este mais próximo de si próprio. Ou seja, Bowie é um alienígena andrógino, que baralha as questões de género ao mesmo tempo que enriquece com objectivos pouco claros. Obra entre o psicadelismo drogado e o cinema independente artsy, é um filme com algo de bíblico, numa alegoria à condição de pecador do Homem. E é também uma versão sci-fi de “Performance”, o anterior filme de Roeg – que tinha Mick Jagger no principal papel – que havia marcado a contra-cultura dos anos 70.
Feliz Natal, Mr. Lawrence, de Nagisa Ôshima (1983)
Foi a mais celebrada interpretação de David Bowie na Sétima Arte. Neste filme de guerra passado num campo de prisioneiros da Segunda Guerra Mundial, Bowie é o mártir rebelde que desenvolve uma estranha tensão sexual com o capitão Yonoi. É uma espécie de versão japonesa de “O Presidiário”, com Bowie em vez de Paul Newman e a sacrificar-se ao ser enterrado em areia até ao pescoço – em vez de ter de comer os cinquenta ovos que Newman come nesse filme.
Para terminar, fiquem com Dakota Fanning a fazer de Bowie enquanto se atira a “Lady Grinning Soul”.
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