“Tinha os olhos medonhos, mas quando ele me olhava, sentia-me como se o céu por cima de mim estivesse escancarado”. Estas palavras pertencem a Marie Christine Von Blohme que, aos seis anos de idade, viu o pai partir para a guerra “sob os funestos estandartes de Carlos XII”, o rei dos suecos.
Seguindo o conselho de alguém, Marie coseu-lhe um saquinho de sal no forro do casaco, que a acabou por visitar algumas vezes mas por nunca mais de 15 minutos. Dessa forma, quando recebe a notícia da morte do pai, ocorrida há mais de três semanas, a pequena fica intrigada com o facto de este a ter visitado apenas dois dias antes.
Em “O Cavaleiro Sueco” (Cavalo de Ferro, 2015), Leo Perutz alia elementos do folclore e do género fantástico aos do romance histórico, contando a história deste cavaleiro sueco, fiel ao rei e seguindo o apelo da guerra, numa demanda maior que ele próprio.
Estamos nos primeiros anos do século XVIII, numa Europa em convulsão, mergulhada na superstição e no Antigo Regime e atravessada por brigantes e dragões dos exércitos combatentes na Grande Guerra do Norte, que opõe o jovem imperador sueco à aliança formada pelas restantes potências da região.
A história apresentada ao leitor é a de dois homens: “Um era vagabundo e ladrão de mercados que tinha fugido à força, o outro era um desertor”. Os seus nomes ostentavam gramaticalmente a diferença que os separava em termos de classe – Cata-Galuchos e Christian Von Tornefeld -, sendo também muito diferente as concepções que ambos têm da monarquia, da honra e de várias matérias importantes da vida.
Procurando abrigo num velho moinho, exaustos e sem mais recursos para se furtar a um destino que os condenará ao patíbulo ou às galés, decidem firmar um pacto com um oleiro espectral, que está ao serviço de um bispo autoritário conhecido pela alcunha de “Embaixador do Diabo”: o ladrão assumirá a identidade do nobre, transformando-se no Cavaleiro Sueco, enquanto o segundo rumará, sem direito a ostentar um nome, para os trabalhos forçados nas forjas do Bispo, isto até ao momento em que os seus caminhos se voltem um dia a cruzar.
Será esta troca de identidades a alimentar toda a narrativa, numa história onde um mundo de ostentação – ainda que em aparente declínio – nos surge através dos olhos de um vagabundo que, aos poucos, se transformará numa espécie de Robin dos Bosques em proveito próprio, pronto a reclamar para si tudo aquilo que o mundo lhe foi tirando.
É também uma história de amor e de desamor, mas igualmente da inevitabilidade da força do destino que, por mais voltas e voltas que se decida dar, voltará mais tarde ou mais cedo ao eixo onde tem necessariamente de girar. No final caberá ao leitor unir as várias pontas soltas, decidindo por si próprio se tudo não terá passado de um sonho. Uma história que navega no território do fantástico e que apresenta alguns apontamentos Borgianos – Jorge Luis Borges que, curiosamente, o chamou de “Kafka aventuroso”.
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