A trilogia da tristeza. Talvez esta frase pudesse servir de ilustração ao ambiente vivido nos dois primeiros livros de João Tordo, com o terceiro – e final – capítulo agendado para o próximo ano. É, contudo, uma tristeza que move o leitor da escuridão para a luz, reencontrando a felicidade num lugar que se sabe finito. Ou, usando o título desta trilogia sem nome, descobrindo “O paraíso segundo Lars D.” (Companhia das Letras, 2015).
Este é o romance sucessor do muito aclamado “O luto de Elias Gro” – também editado este ano – mas que, ainda assim, poderá ser lido de forma independente, mesmo que o mais provável seja, para os que não fizeram o luto, irem à livraria comprar o seu antecessor depois de terminada a leitura deste pequeno paraíso literário.
Lars é um homem que durante a sua vida tudo negou, até mesmo a tristeza, e para quem o corpo representava um peso. Numa manhã de Inverno sai de casa movido por uma dolorosa insónia, encontrando uma desconhecida a dormir no seu carro. Gloria vive os saborosos e conturbados dias da juventude e, poucas horas depois, Lars parte com ela em viagem, deixando para trás um manuscrito inédito intitulado “O luto de Elias Gro”, livro que fez com que a sua mulher chorasse que nem uma Madalena até altas horas da madrugada, reencontrando nele o prazer da leitura há muito extinto dos livros do marido.
Num dos muitos encontros fugazes que diariamente se trocam com a vizinhança, a mulher de Lars cruzar-se-à com Xavier, alguém “com os olhos cansados das pessoas que dormem pouco” e que parece preferir a melancolia e a tranquilidade das gerações mais velhas à tendência da juventude para a rebeldia, o espalhafato e a alegria.
Será ela, na ausência do marido escritor, a tomar conta da narrativa, agindo no mundo real e, também, no da ficção. Ao mesmo tempo que vai imaginando uma história do abandono, cruzando a sua ideia de desenlace com as memórias de um casamento feito de solidão e poucos afectos, viverá com Xavier uma relação platónica e existencialista, assistindo a filmes, expondo a alma e partindo, quase ao estilo de uma exorcização – não deixa de ser curioso o facto de Xavier ser um estudante de teologia -, investigar o paradeiro de Lars.
João Tordo conduz-nos a um lugar habitado pela solidão – a sua, a nossa e a das personagens que habitam o livro -, lugar esse que é, também, a morada do renascimento e uma porta aberta para novos começos. Porque a solidão, como a cantava Kurt Cobain no seminal “In Utero”, pode ser também uma benção: “I miss the comfort in being sad”. Quanto ao Paraíso, tal como a vida, é aquilo que decidirmos fazer com ele.
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