Não se ambiciona desvendar os mistérios da Natureza sem alguma ingenuidade. Primeiro, porque qualquer descoberta que nos aproxime de um descodificar do cosmos implica a manipulação de forças antagónicas; segundo, porque há quantidades copiosas de dinheiro a ser investido e, perante tal responsabilidade – baseada em tentativa/erro -, não é sem alguma loucura que se arrisca explorar ideias que não têm “um fim prático imediato”. Sean Carroll, autor de “A Partícula no fim do Universo” (Gradiva, 2014), quer que retenhamos sobretudo um aspecto: compreendermos que os mecanismos da Natureza não têm preço.
O magnânimo Grande Colisionador de Hadrões (LHC), construído na Suíça (pesquise-se CERN), não podia falhar. Estavam envolvidos cerca de um milhar de homens e mulheres, oriundos de todo o mundo, um esforço que contava inclusive com portugueses (temos sempre gosto em saber estas curiosidades). Os resultados revelaram-se surpreendentes, dando lugar a um fervilhar mediático em torno do Bosão de Higgs, a “partícula de Deus”, alcunha que é alvo de muito desdém da comunidade científica. Chegou para atribuir o Nobel a uma ínfima parte do colectivo (a três dos muitos, dado que é o limite imposto), à sua maneira semelhante ao congénere galardão solitário da literatura, mas no sentido de servir mais para esquecer que lembrar.
Esclarecendo questões preliminares, logo na contracapa se lê em modo expresso que sem «o Higgs não existiria a massa das partículas elementares e o mundo seria diferente». A longo prazo, afirma Carroll, o impacto do dito bosão no nosso quotidiano será sentido, é só uma questão de um mundo cada vez mais impaciente como o nosso tomar um sedativo, esperar sentado e conformar-se com o facto de que talvez morra primeiro. A física é também passível de ser reescrita, e os que a estudam têm de estar preparados para ver aquilo que tomam por garantido cair por terra, à margem de interesses e egos (convém ter à mão os textos de Kuhn). “A Partícula no fim do Universo” faz questão de referir várias vezes que estamos no inicio, e que nunca estivemos a chegar à última etapa.
Nesse sentido, o livro não podia deixar de ser prematuro. Embora fosse quase exigido que uma obra destas fosse publicada atempadamente, Carroll está consciente que no seu público há muito curioso que precisa de um registo introdutório. Para atenuar alguma densidade ocasional recorre ao humor, à linguagem menos própria ou a referências da cultura pop como os Insane Clown Posse. Dá a entender que os académicos não são os caretas que julgamos, ainda que mal consigam evitar a totózice.
Vencedor de melhor livro de ciência pela Royal Society, “A Partícula no fim do Universo” deve muito ao tom entusiasta que mantém o ritmo virar a página das obras de Stephen Hawking (diga-se não-nobel). O leitor é motivado de forma constante pela dimensão do conhecimento que ultrapassa o visível e palpável, que nos torna tão pequeninos quanto as partículas que nos compõem. Para os cidadãos que são zelosos com o destino do dinheiro dos seus impostos, fica a dica de que ciência deste nível vale muito a pena e magoa menos que uma guerra.
1 Commentário
Não encontro o livro “A partícula no fim do universo” aqui no Brasil.
Como faço para encomenda-lo.