É, muito provavelmente, o melhor dos livros da britânica Paula Hawkins, ainda que, a dado momento, perca a firmeza do traço e, em vez de uma obra de arte, se revele apenas uma boa pintura, falhando o acesso ao museu por umas quantas páginas negras. Arte que, curiosamente, está no centro da trama – e do título “A Hora Azul” (Topseller, 2024) -, girando à volta dos quadros deixados pela defunta Vanessa, uma artista mundialmente famosa tanto pelos quadros como pelo desaparecimento do marido, duas décadas atrás na linha temporal.
Um desaparecimento que voltará a ser questionado quando, a propósito de uma exposição da autora na Tate Modern, um antropólogo forense garante que o osso exibido numa das peças é, não o de um artiodáctilo, mas pertencente a um ser humano. De modo a evitar um escândalo maior, Sebastian Lennox, o herdeiro da Fairburn, decide enviar James Becker, “filho bastardo e órfão de uma uma empregada de supermercado, aluno de uma escola pública enfiado num fato barato”, para a Ilha de Eris. Ilha onde reside Grace Harwell, a “Bruxa Má” que poderá esclarecer a origem do osso da peça. Pelo caminho, James tratará também de perceber se Grace está a enrolar a galeria no que diz respeito às obras deixadas para trás por Vanessa, devolvendo estas e os muitos papéis e notas que a artista deixou escritos.
Num cenário que nos traz ecos de Daphne du Marier, e que com um pouco mais de jogo de cintura poderia ter ganho o corpo de uma mini-aula de história de arte, Paula Hawkins desenha, através de um nevoeiro que esconde um “azul estroboscópico”, um triângulo formado por James, alguém que por querer agradar a toda a gente “não tem gelo nas veias”, Helena, a sua esposa que parece pouco entusiasmada com a sua gravidez; e Sebastian, o rei disto tudo, que parece estar a um passo de conquistar Helena. É nesta relação tripla, a que se junta a aparentemente insossa personagem de Grace, que Paula Hawkins nos serve a moldura que delimita esta romance: “A mágoa e os danos têm de permanecer sob a superfície, até que, a determinada altura, se decomponham. Bom, pelo menos é essa a ideia”.
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Texto: Pedro Miguel Silva
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