Publicado em 2023 com o selo Tinta da China, “Autobiografia Não Autorizada 2” (Tinta da China, 2023) reúne crónicas, relatos pessoais e memórias de Dulce Maria Cardoso, publicadas originalmente na revista Visão. Com muita invenção pelo meio, a autora divertiu-se a escrever a sua biografia não autorizada, permitindo ao leitor, a partir da provocação sugerida pelo título, mergulhar na sua esfera mais pessoal. Pelo caminho, acaba por fintar a ideia de autoficção, criando crónicas onde a ficção e a imaginação se entrelaçam, fazendo de si própria a personagem de uma biografia fragmentada.
“Olhar para o meu passado envolve quase sempre um exercício de compaixão para com as outras que fui sendo, neste caso para com a jovem e desajustada mulher à espera de um futuro jubiloso que, sei agora, nunca chega”. Uma frase arrancada à crónica “Se Tens Asas”, que poderíamos descobrir num dos seus romances ou livros de contos, assim como uma outra que nos interroga sobre as emoções não captadas por uma lente: “Como salvar os amores de que não se guardam fotografias nem banda sonora?”.

Ao longo de cerca de 250 páginas, aprendemos de forma curiosa o que são palavras homónimas ou recordamos, com saudade e nostalgia, os gelados do Ervilha, numa ode às memórias inestimáveis. Escutamos a voz da mãe da autora, abraçando os primeiros esquecimentos e olhando, com profundidade, para velhas fotos de família – com o mesmo espírito arqueológico com que Foucault olhou para o Las Meninas de Vélasquez. Partilhamos uma insónia, recordando uma quase morte ao som dos Abba, escrevendo sobre vidas alheias e, a dado momento, partindo numa aventura através de uma passagem secreta escavada numa casa abandonada, na qual descobrimos as vozes de muitas das personagens do universo de Dulce Maria Cardoso, vozes que a autora decide momentaneamente calar. “Preciso de silêncio para contar. Noutro dia, está bem?”. Que esse dia chegue depressa.
Sem Comentários