Um chef e um humorista entram no bar e, entre uma entrada e um digestivo, lançam para o ar: procuram a receita mágica para um jantar com a vossa cara-metade? Do encontro entre Henrique Sá Pessoa e Fernando Alvim resultou “Pela Boca” (Casa das Letras, 2024), um livro que, segundo Sá Pessoa, “vai ao encontro desta ideia de que através da cozinha podemos dar prazer aos outros”, propondo receitas acessíveis mas impressionáveis.
Num livro de capa dura, onde (graficamente) descobrimos uma boa dose espírito pulp com um toque de pop art, são servidos 12 menus, cada um deles composto de três receitas, alguns cocktails – da autoria de Fernão Gonçalves -, uma sugestão de pairing de vinho – de Gonçalo Patraquim – e uma banda sonora “para aquecer o ambiente” – por aqui destacamos Two Lanes, The XX e Frank Ocean.

Cada um dos menus resulta do testemunho de 12 convidados, que falam sobre a sua relação com a comida e se foram ou não encantados por alguém através da arte da culinária. Mário Belém, auto-intitulado Rei dos Guisados, revela o truque do seu reinado: “deitar tudo para dentro do tacho, umas quatro horas. No fundo, o dobro do que as receitas dizem para tu fazeres”; Sofia Tripeirinha diz-nos que, depois de se ter feito vegana, trocou o bacalhau com broa por “um bom tofu com broa” – ou pela versão vegana de arroz de cabidela, com cogumelos em vez de frango (e toneladas de vinagre); Francisca Van Zeller, ligada às uvas e ao vinho, diz ser uma “cozinheira de vinho” e um bom garfo – a não ser que no prato aterre uma lampreia ou um arroz de cabidela; Isabela Valadeiro diz ser uma de duas familiares – as únicas – que não gosta de cozinhar, tendo como prato favorito – e por influências amorosas – o gaspacho alentejano; dia a lenda que Martim Sousa Tavares, aos 2 anos, aceitava substituir a chucha por percebes, o que talvez tenha contribuído para o seu sonho: um sushi a sério, servido num lugar esconso em Tóquio – isso ou a lasanha desconstruída do Massimo Bottura; António Maçanita é mais grelhados, área onde diz ser mais boss que Springsteen; Marta Crawford diz ter picado quase todos os Michelin nacionais, mas é no Japão que diz ter encontrado a felicidade suprema, tendo nas codornizes em sarcófago de massa folhada a sua especialidade; Bordalo II considera o refogado em alho o princípio da criação, confessando uma paixão tremenda pelas roulotes mexicanas; Madalena Sá Fernandes é uma doceira, falando de “A Festa de Babette” como o livro que simboliza a expressão e identidade que alguém pode revelar através da cozinha; Tiago Bettencourt só sabe fazer bifes, recordando com saudosismo os cornflakes fritos da mãe; Jéssica Pina tem no pão e na açorda de alho a sua praia, molhando o pão sempre que há molho por perto; já Joana Marques acredita que ninguém se ri de barriga vazia, mas está visto que não deve organizar muitos repastos em casa: “não venham almoçar cá a casa, não vale a pena”.
Entre a verdadeira festa gastronómica que é este livro, começamos pela amarguinha “sour”, uns mojitos de limoncello e manjericão e um ou dois jarros de sangria de frutos vermelhos e frutos tropicais; já bem bebidos, partimos para uma salada de queijo cabra cremoso e morangos e um caril afrodisíaco de camarão, rematando tudo com uma sopa de pêssego e espumante com sorvete de queijo fresco. Ponham o avental e partam à conquista.
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