“A Trégua” (Cavalo de Ferro, 2025), obra emblemática da literatura sul-americana, destaca-se desde logo por se apresentar sob a forma de um diário, escrito por Martín Santomé. Um homem de 49 anos, viúvo há duas décadas e prestes a aposentar-se, que trilha uma vida marcada pela monotonia e resignação. Toda a sua existência ganha, porém, um novo significado após a chegada de Laura Avellaneda, jovem que integra a empresa onde Santomé trabalha, ficando sob a sua supervisão.
Ao longo das quase 180 páginas da sua obra, Mario Benedetti aposta numa narrativa introspectiva e num estilo de escrita envolvente. Sem fazer uso de uma linguagem demasiado complexa, o escritor uruguaio consegue dar um toque poético aos seus textos, explorando temas como a solidão, a procura pela felicidade e a efemeridade dos momentos de alegria – temas universais e que a todos dizem algo (ou mesmo muito).
Sem grandes pudores, a escrita é marcada por uma sensibilidade que capta as nuances das relações humanas, fazendo um autêntico raio-x aos sentimentos do protagonista para com os seus três filhos – com os quais partilha casa mas mantém uma relação distante -, os seus amigos e colegas, a sua falecida esposa ou a sua nova paixão, Laura Avellaneda.

A relação que se desenvolve entre Santomé e Avellaneda é retratada com delicadeza, abordando as nuances do amor e o seu poder de desafiar as convenções, principalmente ao nível geracional. É este novo relacionamento, que surge inesperadamente, que funciona como uma “trégua” na vida de Martín Santomé, colocando à sua disposição uma renovada sensação de propósito e felicidade, a qual, no entanto, pode sempre ser efémera.
Através de uma narrativa aparentemente simples, Benedetti vai revelando a complexidade das emoções humanas e a profundidade psicológica de algumas das personagens. A crítica – sobre a condição humana e as relações interpessoais – não deixa de estar presente, numa obra que convida a momentos de reflexão em torno do amor e da necessidade de se procurar a alegria e razões para viver.
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